Existe muita desinformação quanto ao diabo. Começando que são muitos, e abrangem várias áreas do sofrimento humano. Hoje apresento a Divisão das Pequenas Desventuras.
Na visita às oficinas do inferno, pude ver a dedicação, o empenho e a motivação com que as equipes trabalham. Abriram minha visita no setor da engenharia que bolou e executou o pingo gelado, aquele que cai durante o banho quente. Tecnologia de ponta para desenhar a estratégia mecânica do aparelho. Enfim, um orgulho da empresa.
A filosofia da divisão baseia-se em que microtragédias têm um impacto poderoso no nosso humor. Apostam nas maldades miúdas, em um cotidiano infeliz por pequenos tropeços. O diabo está nos detalhes, lembram?
Eles sabem que o sabor do carro novo dura até o primeiro arranhão, por isso desenvolveram produtos especializados para causar essa infausta ocasião.
Sabe a sensação depois da segunda meia-calça furada na mesma manhã?
Eles creem que não há pior forma de uma mulher começar o dia. Elas sentem-se perseguidas pelo universo e além.
Quando um pássaro deixar cair um "presente" na sua roupa, considere-se sortudo. Descobri que o alvo mesmo é o cabelo. A imprecisão, segundo eles, seria pela dificuldade em treinar aves.
Quanto ao setor sanitário, trabalham nas duas pontas. Dois clássicos: a patente entupida quando chega visita e a descarga jorrando, sem que ninguém consiga parar, antes de dormir.
Sobre a espinha no nariz em dias decisivos e sobre o peido molhado em festas, não tenho conhecimento de medicina para entender a explicação que me deram.
Como eles conseguem nos cegar para dejetos de cães nas calçadas é como um segredo de Estado, não comentam. Mas percebi que a cegueira para o momento da fervura do leite é feita com a mesma hipnose.
Visitei até uma oficina deficitária fechando. Era a que, no passado, inventou a caneta programada para vazar em roupas caras. O celular aposentou a caneta no bolso.
Nem tudo é fácil para os demônios. Queixaram-se que a invenção do pneu sem câmara os privou de um acesso fácil ao nosso mau humor. Suspiraram lembrando da nossa irritação ao termos um pneu furado na hora certa — certa para eles, é claro.
Só não entendi um ponto: o empenho deles pela eficiência, as frases motivacionais, a empresa acima de tudo, o funcionário do mês, a jornada exaustiva e horas extras não pagas; eles aprenderam conosco? Ou nós aprendemos com eles?