Este título forte remete a uma afirmação de Carl Hart, neurocientista que falará no Fronteiras do Pensamento no dia 22 de novembro. A frase é para causar impacto, mas ele está certo, o que sabemos sobre droga é contaminado por preconceitos. Saiu seu segundo livro no Brasil: Drogas para Adultos, Ed. Zahar. Mas duvido que a discussão que o livro propõe aconteça de forma realmente adulta.
Explico: a humanidade se divide em tribos de acordo com as formas de obter prazer. Funciona mais ou menos assim: diga como gozas e eu direi se te aceito. Você obtém prazer sexual com pessoas do sexo oposto? Caso sim, tudo bem. Caso não, sai fora! Você obtém prazer com álcool ou com maconha? Se for com o segundo, nem fale comigo. E assim segue o samba, dificultando um debate maduro.
Aguenta-se muita coisa, mas é intolerável que uns pareçam conseguir mais prazer do que outros, e o prazer diferente soa tentadoramente melhor. Demonstrações de felicidade convocam o inferno dos fiscais do gozo. A frigidez psíquica – aqui no sentido amplo, de retirar prazer da vida – é o grande problema não admitido. Quem se sente lesado desfralda a bandeira da moralidade e invoca Deus para justificar sua perseguição aos hábitos alheios, mas a verdade é que a inveja do gozo do outro é o real motor da cruzada.
É dentro de um caldo moralista que as drogas são pensadas, por isto elas são o drama que são. O autor propõe uma nova abordagem, levando em conta o óbvio: existem milhões de pessoas que usam substâncias que produzem alteração do humor e da percepção para conseguir levar suas vidas e elas não vão parar porque alguém quer.
Qualquer psi sabe que o uso de drogas é endêmico. Alguns adoecem por usar drogas, outros usam a vida inteira sem apresentar problemas. As drogas não necessariamente destroem vidas, e muitas vezes são usadas como uma automedicação alternativa para angústia e depressão. Você pode não gostar, achar que não é o melhor caminho, mas a realidade é essa.
As pessoas se viciam porque têm outros problemas, vidas vazias e sem rumo. Aliás, as pessoas se viciam sem precisar de drogas, o cérebro produz suas próprias drogas viciantes. O jogo é um vício assim. O uso abusivo de redes sociais é outro vício sem substância química externa.
Viver é penoso e uma parcela considerável da humanidade usa paliativos para levar a vida. Qual é o problema se pessoas adultas, conscientes dos efeitos que as drogas trazem, resolverem mesmo assim usar? Essa é a pergunta do livro. De fundo mostra outra questão: trocamos o puritanismo de todo prazer é errado para o pós-puritanismo: só o nosso é o certo. O autor vai gerar polêmica, pois poucas coisas são mais estrangeiras ao Brasil do que o genuíno pensamento liberal.