Quantas fotos você já tirou hoje? Qualquer banalidade torna-se foto. Não tirávamos tantas fotos porque não era acessível. A tecnologia brindou-nos com uma possibilidade antes não disponível. Concordo, mas acredito que existe outro motivo: fotografamos para nos defender da experiência.
A ideia que nos contamos é ir além do presente, registrar a experiência para saborear depois. É aqui que discordo, uma vivência é tanto mais rica quanto menos precisa de fotos. O exercício de parar para fazer o registro picota a experiência e a enfraquece. Até porque certas coisas têm um fim em si. Por exemplo, um prato culinário foi feito para comer, não para o futuro. Um encontro feliz com um amigo carrega uma magia que uma foto não capta.
Entendo a vontade de congelar o presente, mas você o esvazia se parar o que está fruindo para o pretenso desfrute posterior. O registro não guarda a aura do momento. Ele é pálido frente ao que realmente aconteceu. E quando saímos de cena para fotografar, saímos da cena da experiência.
É como se não acreditássemos no presente, na força do melhor que pode acontecer, realmente viver algo. Tentando editar nosso diário existencial com fotos, nos perdemos do melhor da vida. Deixamos de lado um gole gelado de chope para encontrá-lo choco depois.
O melhor testemunho de um fato é tê-lo desfrutado, não a foto. Se estivermos lá com intensidade não vamos esquecer, e se não lembrarmos tanto faz, pois o que mais nos transforma é a experiência por inteira. A lembrança é um brinde opcional posterior.
A foto se direciona ao outro, para que ele nos veja fazendo algo. Que alguém testemunhe que estivemos aqui e acolá, que somos bacanas por estar ao lado de X ou Y. Mas o que é mais importante: ter vivido ou mostrar que vivemos algo?
Observo turistas fotografando freneticamente o que estiver pela frente. Em vez de serem tocados pela beleza, pelo misticismo de um lugar, pela densidade histórica que encerra, postam-se atrás de uma câmera que os afasta do fruir. Inundados pela experiência, sacam a foto como anteparo que barra o vivido.
Talvez não sem razão. Existe uma quadro que se chama de Síndrome de Stendhal, ou hiperculturemia. São sintomas transitórios, geralmente desmaio, confusão mental, aceleração cardíaca e vertigem, que acometem quando alguém é confrontado a obras de arte extraordinárias. Indicio, portanto, que nos defendemos frente à beleza extrema, quando esta realça nossa insignificância.
Dizem que o celular é o novo cigarro. No sentido de que permite uma pausa, que faz intervalos e distanciamentos entre o que vivemos. Correto, e a câmera é a essência desse mecanismo.
Poucas fotos realmente captam o bom momento e merecem ser guardadas. Seja parcimonioso, fotografe menos e viva mais. Fume menos o seu celular.