Existe uma classe especial de deprimidos, aqueles que nunca imaginaram que um dia pudessem adoecer. Antes de começar a terapia, há um trabalho anterior: fazê-los acreditar que são como os outros e não só podem ficar como já estão deprimidos.
Além de deprimidos, estão pasmos. Visto que depressão seria uma falta de vontade, uma preguiça existencial, como isso foi acontecer justo a eles? Afinal, basta levantar da cama e fazer as coisas. Como que eles, ativos, vencedores, maduros, vida arrumada, podem repentinamente perder toda a esperança e até flertar com a morte?
É o senso comum operando, a maioria das pessoas só entende a depressão depois de sofrer sua mordida na alma. Antes, seria só frescura de quem se dá ao luxo de esmorecer. Uma das partes do drama é a nossa pobreza linguística. Utilizamos a palavra depressão numa gama tão ampla, da tristeza corriqueira ao desespero total, que nem sempre sabemos do que estamos falando.
No próximo dia 9, começa o Fronteiras do Pensamento, com Andrew Solomon. O pensador que mais ajudou a narrar o que é a depressão e alertar sobre o estrago que ela faz na vida de tantos. Pelo que soube, não tratará diretamente do assunto, mas ficará no âmbito de suas reflexões sobre a dificuldade de viver, mola-mestra de seu trabalho.
Como estamos no Setembro Amarelo, dedicado à prevenção do suicídio, lembro de um livro que pode servir como entrada ao pensamento do autor:
Um Crime da Solidão – Reflexões sobre o Suicídio. Livro curto, denso, que abre para a forma de Solomon encarar e entender o sofrimento.
Seus livros são uma mescla de autobiografia com teoria. Como é um extraordinário escritor, ninguém conta melhor do que ele o que é estar deprimido. Assim fazendo, desvenda todas as máscaras e agruras dessa condição.
O interessante na abordagem solomoniana é a abertura para todas as possibilidades de enfrentar o demônio da depressão. Experimentou inúmeras terapias e nos conta como cada uma o ajudou. Tomou todos os medicamentos possíveis e também conta como o salvaram ou atrapalharam.
Como tudo o que diz é desde dentro, sua sinceridade acaba sendo a chave também para nosso interior. Ele não aponta um caminho para sair do labirinto depressivo, mas gera uma simpatia para com a condição do sofrimento que nos contagia e ajuda.
Solomon supre as teorias psicológicas com uma humanidade que sabe de nossos limites e de nossas carências. Ele é antes de tudo um narrador, e a depressão muitas vezes assola quem perdeu a capacidade de dar um sentido para sua existência. Por isso, por colocar palavras onde o vazio impera, seus livros são, de certa forma, terapêuticos.