Um paciente anda maratonando Friends, uma série de TV americana dos anos 90 do século passado. Detalhe, ele já tinha visto mais de uma vez. Os episódios não lhe trazem novidade, conhece as personagens, o enredo, as piadas. Ele se pergunta o porquê de tanto entusiasmo. Aguenta a rotina chata da pandemia sabendo que depois das 20 horas será ele e Friends, seu momento de prazer do dia.
Tem para si que aquele era o retrato de sua juventude, que estava com saudade daquela época.
Ao mesmo tempo, sabe que aquela fase foi a pior da sua vida e é agora, na maturidade, que tem bons amigos. Sua juventude foi o oposto do seriado, então, o que o captura?
Finalmente deu-se conta do seu regozijo nostálgico: era do mundo daquela época que tinha saudade. Um mundo em paz, onde o assunto dos amigos eram seus problemas amorosos, os desafios profissionais, os dramas de crescimento, as banalidades do cotidiano. Não havia ódio, nem a radicalização política, em que até remédio vira questão ideológica, nem mesmo as exigências do politicamente correto. Um momento na história no qual, para o bem e para o mal, podíamos esquecer do que estava acontecendo no noticiário e simplesmente viver a vida.
A história tem momentos de esperança, bonança e calmaria, são breves e não são para todos, mas o ethos desses intervalos é a sensação de que estaríamos em tempos de paz e vivendo uma confiança no futuro. Assim eram aqueles anos e era disso que ele estava saudoso.
O título do seriado diz tudo: amigos. Havia no grupo tipos dissonantes: a riquinha mimada, o nerd, a obsessiva, o bonitão burrinho, a new age, o pragmático, mas o que os unia era a falta que sentiam uns dos outros. Os personagens de Friends eram díspares, não pensavam igual, não possuíam os mesmos valores, hoje talvez nem seriam amigos.
Naquela época, as afinidades que ligavam as pessoas eram dilatadas. Qualquer pessoa interessante poderia ser um potencial amigo, sem verificar antes em quem votou, ou se separa o lixo, ou ainda se imagina que a terra é como uma laranja ou como uma pizza.
Talvez seja ridícula a nostalgia daquele mundo onde problemas equivaliam a percalços de gente branca, heterossexual e bem-nascida. Porém, há um elemento daquela receita de amizade que deixa saudade: a tolerância de uns com a diferença dos outros.
Sinto que empobrecemos por perder o tempero da alteridade. Embora as variações entre as personagens fossem sutis, simpatizar com a diferença entre a identidade alheia e a nossa é a maior beleza que a amizade tem a legar.