Pelo jeito, a eleição na Argentina neste domingo será mesmo lembrada como uma escolha entre Drácula e Frankenstein. Seja quem for o vencedor, Sérgio Massa ou Javier Milei, o populismo terá vingado mais uma vez na Casa Rosada, em um ciclo de soluções mágicas frustradas que represa o potencial do vizinho e eterniza uma crise nutrida por irresponsabilidades e miragens embaladas em slogans destinados a iludir o eleitorado.
Um, Sérgio Massa, é o herdeiro do peronismo convertido em kirchnerismo que deteriorou a antes pujante e rica Argentina no bojo de concessões sem fim às corporações trabalhistas e a regulações que travam a competição e os avanços decorrentes dela. O outro é um populista mais moderno, que conhece bem o mecanismo de como as redes sociais acabam por impulsionar os mais excêntricos e radicais. Bem ao estilo das redes, que retratam o mundo por fragmentos, Milei faz de tudo para chamar a atenção. Do cabelo desgrenhado às declarações bombásticas, o que importa é marcar presença e se distinguir dos demais candidatos pelo exagero e, muitas vezes, pela ausência de compostura.
Ambos extraem parte de sua inspiração em Lula e Bolsonaro, dois exemplos acabados desse populismo tão latino-americano. Tanto Lula como Bolsonaro não demonstraram pejo em estourar as burras do Tesouro para conceder benesses com vista às urnas. Foi torrando o que não tinha, conforme os conselhos de Lula, que Massa encontrou oxigênio para liderar o primeiro turno. Massa, Milei, Lula ou Bolsonaro têm mais em comum: todos buscam se amparar na “força do povo” nas ruas e nas redes, um dos recursos mais vistosos do populismo para tentar emparedar outras instituições, como o Congresso, o Judiciário e a imprensa.
O populismo à Lula ficou evidente nos constantes ataques ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, por não cortar os juros na marra. No mundo paralelo do populismo, basta “vontade política” para fazer a inflação baixar sem dor e sem cortes de despesas. Já o populismo à Bolsonaro, copiado por Milei, cria fantasias, desengaveta ameaças delirantes e arruma confusões gratuitas, sempre com a intenção de forjar culpados malvados e se manter na conversação digital.
No universo populista que se retroalimenta nas redes sociais, não há espaço para caminhos, projetos e candidatos sensatos e monótonos, ainda que exequíveis e realistas. Essa é a grande sombra que paira sobre a América Latina: a sensatez, a racionalidade e a responsabilidade serem substituídas de vez pelo alarde, pela fanfarronice e pela incúria generalizada, tudo com objetivo de conquistar e manter o poder. O país e o futuro que se explodam. O importante é o aqui e agora, custe o que custar. Isso é o que a eleição na Argentina está nos dizendo - e alertando.