Nilton de Albuquerque Cerqueira era um combatente duro, um militar daqueles que não recusava missão e levava até o fim o cumprimento de uma ordem. Como major, ele chefiara em 1971 o destacamento do Exército que perseguiu e matou no sertão baiano o capitão Carlos Lamarca, desertor que se bandeara para o lado da guerrilha e se tornara inimigo número um do regime militar.
Foi com esse currículo que o então coronel Cerqueira assumiu, em 1981, o comando da Polícia Militar do Rio de Janeiro. A escolha fora uma decisão pessoal do presidente Figueiredo e imposta ao governador Chagas Freitas para restabelecer a ordem e a segurança no Rio. Cerqueira fez o que suas ordens diziam. Começou por um processo de limpeza na PM. Oficiais corruptos eram expulsos em cerimônias públicas de desonra, as divisas arrancadas e a tropa de costas.
Por alguns meses, o novo xerife do Rio conseguiu estabelecer limites, mas logo constatou que o problema tinha origem nos corruptores e resolveu botar ordem aí também. Achando-se com as costas quentes, Cerqueira passou a prender os bicheiros. Semanas depois, o coronel foi removido. Nem o regime militar, com todo o seu arsenal de exceções legais, era páreo para a promiscuidade que, desde sempre, conjuga interesses de malfeitores e políticos cariocas.
De 1981 para cá, os bicheiros viraram um problema modesto diante do que se passa no Rio, onde as narcomilícias dominam boa parte do território e se infiltraram no aparato estatal. Basta dizer que a companhia elétrica do Rio, a Light, quebrou principalmente porque não consegue cobrar a conta de energia em um terço do Estado.
O Rio tem, sim, um enorme problema de confiança em suas forças de segurança. Mas a gênese é uma cultura de leniência com a delinquência e uma degradação moral que vai do grupo de moradores da periferia que saqueia a carga do caminhão acidentado enquanto o motorista agoniza na cabine até o gabinete principal do Palácio Guanabara: dos sete governadores desde 2014, seis foram investigados e cinco presos. Nas últimas semanas, o Rio parece ter chegado ao auge da barbárie, com 35 ônibus queimados por terroristas locais. As narcomilícias extorquem mais de 20 atividades, entre elas a de guardador de carros. Ou seja, no Rio de hoje até os flanelinhas, esses que vivem de extorquir motoristas, são extorquidos.
Para o bem e para o mal, o Rio é espelho e coração do Brasil. O que ocorre ali acaba sendo transplantado para outras partes do país, seja a magia da Bossa Nova ou a tragédia do crime organizado. Estancar a hemorragia, portanto, é uma missão para todos os brasileiros, mas não bastam promessas e boas intenções. Com GLO ou sem GLO, o Rio apodrecido precisa de uma limpeza de alto a baixo.