No início do mês, morreu Charles F. Feeney, um bilionário que chegou a acumular U$ 8 bilhões mas que nos últimos anos andava de metrô e táxi e vivia em um apartamento alugado em San Francisco. Feeney fez fortuna com free shops e tecnologia, mas não quebrou e nem era um excêntrico velhinho de 92 anos. Em 1986, depois de contar sete palácios, de Nova York à Riviera Francesa, ele decidiu em sã consciência doar seu patrimônio em vida, reservando para si U$ 2 milhões, uma quantia que considerava suficiente para viver bem.
A história me veio à cabeça ao ler o belo relato de minha vizinha de página em Zero Hora, Juliana Bublitz, sobre Nora Teixeira. Como também celebrou o editorial de ZH de 21 passado, ela e o marido, Alexandre Grendene, doaram R$ 80 milhões e puxaram contribuições de outras famílias que garantiram R$ 230 milhões para a construção do mais moderno hospital do complexo da Santa Casa.
O casal é o expoente de um fenômeno que, felizmente, está se tornando rotina no Rio Grande do Sul. Por meio de doações à saúde, educação, segurança e obras sociais, um bom número de famílias com recursos vem retribuindo de forma direta, e sem as ineficiências estatais, a terra que os ajudou a erguer patrimônios. Na base do movimento, há a constatação de que apenas empilhar dinheiro não compra felicidade e nem assegura a transferência de bem-estar de geração para geração: antes de tudo, vêm os valores morais e familiares que dão solidez a empreendimentos perenes.
Nossas caixas postais estão infestadas de e-mails que prometem “multiplicar o patrimônio” sem esforço, enquanto as redes sociais são inundadas de influenciadores que pescam incautos com o apelo desmesurado de que o prestígio e a felicidade estão associados a carrões ou megaiates. O tema é bem pesquisado. Um famoso estudo da Universidade de Princeton estabeleceu em U$ 95 mil anuais a renda para se ter “satisfação com a vida”. O estudo vem sendo torpedeado por outros desde então, porque há muita satisfação com rendas bem abaixo disso e insatisfação com rendas bem acima. No que todos parecem convergir é que emoções positivas antecedem – e não o contrário - a formação de fortunas.
Como já entrei na fase de dizer “no meu tempo”, lembro que podíamos ser felizes com um Conga gasto, sem precisar de um tênis para cada esporte. E que uma viagem à praia tinha a mesma adrenalina do primeiro pouso em Paris. E, sim, uma infância feliz era possível sem 17 assinaturas de canais streaming. Minha vizinha de página aqui produziu também uma emotiva crônica sobre sua relação com a enciclopédia Larousse Cultural. Como sou mais velho, meu Google era o Tesouro da Juventude, que eu e meu irmão devoramos e nos deliciamos. A felicidade também pode caber numa prateleira.