Uma velha lição jornalística ensina que, quando algo parece não fazer sentido, é porque há algo que não quer ou não pode vir à tona. O brutal ataque terrorista do Hamas contra Israel é um destes casos. Por mais delirantes que sejam, os líderes do Hamas sabiam que não avançariam em território israelense. Seu objetivo militar central era, e é, arrastar Israel para o bombardeio, o bloqueio e a invasão de Gaza com a intenção de produzir cenas e relatos que despertem revoltas no mundo islâmico. Basta conferir quem está por trás do Hamas para se vislumbrar o impacto do que está por vir.
A estratégia começou com o pretexto da ação terrorista – a liberação da Mesquita de Al-Aqsa, alvo simbólico compreendido por todos os muçulmanos, ainda que o Hamas nem tenha tentado chegar perto do Monte do Templo, em Jerusalém. Outro sinal: depois de consumar as chacinas, os líderes terroristas declararam vitória, quando só o que se podia recolher era a inevitável e justa reação de Israel. Os métodos do Hamas foram copiados do Estado Islâmico: a estética de seus vídeos, as proclamações gloriosas e a brutalidade são concebidas para fanatizar seguidores e eliminar adversários, o que inclui apoiadores da Autoridade Palestina, mais propensa a acordos de paz.
Adicionem-se alguns ingredientes e se enxergará com mais nitidez quem alimenta o fogo do caldeirão. O Hamas, ao sul de Israel, e o Hezbollah, ao norte, são braços políticos e militares ligados ao Irã. Nas últimas décadas, Israel logrou estabelecer relações com Egito, Jordânia, Marrocos, Emirados Árabes Unidos, e estava por fechar um acordo com a Arábia Saudita. A guerra interrompe a marcha do tratado de paz que deixaria a ditadura iraniana isolada em sua retórica contra Israel.
O que ocorrerá a partir de agora entra no campo das probabilidades, mas um possível e assustador roteiro tem os seguintes passos, que já começam a se desenhar.
1) Com o Hamas mimetizado entre civis em Gaza, multiplicam-se as cenas de crianças e mulheres mortas em bombardeios e na possível invasão terrestre. As redes sociais e o antiamericanismo tentam vender o Hamas como uma “heroica resistência” à ação militar israelense.
2) Em decorrência das cenas em Gaza, há levantes e confrontos na Cisjordânia. Protestos se generalizam entre populações muçulmanas, inclusive na Europa.
3) Diante da “pressão”, o Hezbollah ataca o norte de Israel. A Síria franqueia seu território para uma nova frente. O Irã, que usa o Hamas e o Hezbollah como seus proxies, faz ameaças de intervenção direta.
4) Não por acaso, os EUA deslocaram sua arma naval mais devastadora, o porta-aviões USS Gerald Ford, para as cercanias do conflito. A preocupação central é o Irã, com seu regime guiado pela destruição de Israel. E o Irã é o principal aliado da Rússia no mundo islâmico. A partir daí, é melhor nem se imaginar.