Olhe-se para os EUA, e milhões de pessoas imaginam que querem controlá-las por meio de um chip nas vacinas. Olhe-se para a Rússia, e mais milhões acreditam que Putin está combatendo o nazismo na Ucrânia. Olhe-se para o Brasil, e outro tanto crê que a urna eletrônica – quando seu candidato perde – é uma fraude só.
Para onde quer que se vislumbre, a mentira passou a ter pernas longas. A desinformação e a manipulação de emoções elevaram a tal ponto o risco às democracias e estabilidade mundiais que já não bastam mais esforços isolados. Da mesma forma que o aquecimento climático, a desinformação precisa ser enfrentada por meio de um acordo global, autorregulado e capitaneado pelas Nações Unidas.
Nos acordos do clima, os países mais poluidores são chamados a financiar o combate ao aquecimento do planeta. Nos acordos contra a desinformação, seria preciso ampliar e aprimorar as fontes seguras e críveis – do jornalismo profissional a centros de produção de informação científica. Para começar, deveriam se sentar à mesa as big techs, que, involuntariamente, fizeram brotar os rios por onde a desinformação flui em abundância, e os meios jornalísticos independentes que se opõem à torrente desinformativa ao retratar a realidade, expor fatos e confrontar versões, não importando a quem vão agradar ou desagradar.
Informações verdadeiras em geral estão ao alcance de um clique, mas não basta facilitar o acesso à realidade para quem já vive em um mundo paralelo. As pessoas caem nas invencionices por muitas razões: porque as recebem de gente em quem confiam, porque confirmam convicções anteriores ou porque querem se poupar de contradições e angústias existenciais. Na contramão do fluxo, ressalve-se, tem sido de uma eficácia perversa no Brasil a disseminação de mensagens com troças chulas em grupos sujeitos a crendices do zap. Ao serem expostos ao ridículo, alguns ao menos pensam antes de compartilhar lunatismos.
A censura jamais será solução contra a desinformação. Ela não apenas afronta a Constituição. É também inútil, porque atrai ainda mais atenção para conteúdos reprováveis em um ambiente incontrolável. A Constituição diz que é “livre a manifestação do pensamento”, mas o mesmo inciso ressalva ser “vedado o anonimato”. E por quê? Porque qualquer um pode ser responsabilizado por abusos na liberdade de expressão. Quem não ouviu falar em injúria, calúnia e difamação, sem contar a incitação ao crime? Todo estudante de jornalismo sabe do que se trata, mas a lei serve para todos, e é ela que deve ser aplicada nestes casos, sem exageros e sempre em linha com o Estado de Direito, enquanto não se estabelece um pacto definitivo contra a mentira como arma ideológica.