Embora os olhares do Brasil estivessem pregados nas eleições presidenciais, o Rio Grande do Sul finalmente voltou a fazer jus a sua tradição política de ter algo a ensinar ao país. Eduardo Leite quebrou a escrita de que governadores não se reelegem no Rio Grande do Sul ao governar, pela primeira vez em décadas, como quem, de fato, não pretendia se candidatar à reeleição.
Não é segredo que, durante seu primeiro mandato, os olhares de Leite se voltavam para o Planalto. Por isso, diferentemente de todos os antecessores, enfrentou menos resistência na Assembleia, onde uma constelação de partidos se movimenta ao compasso das futuras pretensões do governador de turno. Com apoio parlamentar, Leite recusou-se a se tornar refém das corporações que aprisionavam há décadas as contas públicas e aprovou uma batelada de projetos reformadores, que foram da reforma da previdência à privatização da CEEE.
Leite desviou-se da máquina de moer governadores porque fez boa parte do que tinha de ser feito há muito tempo. Como não tinha planos de se reeleger, feriu interesses impregnados na máquina estatal e ressuscitou o erário, quitando dívidas históricas, pagando o funcionalismo em dia e voltando a investir em obras públicas. Ao remar contra a corrente populista, da qual jorram promessas fáceis e cofres raspados, colheu resultados que mexem na vida da maioria. O recado final das urnas? Contrariar corporações, e fazê-lo com diálogo e argumentos, dá voto.
A maturidade do eleitorado gaúcho também se consubstanciou em duas outras combinações surpreendentes no segundo turno. De um lado, houve a rejeição a um candidato que envergou o figurino de direita populista ao prometer distribuir dinheiro que não teria e a reverter privatizações já encaminhadas, como a da Corsan. De outro lado, houve o endosso da esquerda a um candidato que segue a agenda liberal, em um movimento no qual se sobressaiu uma nova liderança política, Edegar Pretto, que já tinha dado mostras de ponderação e diálogo na presidência da Assembleia.
Onyx Lorenzoni, como já amplamente analisado, fez uma campanha vazia de soluções e permeada de sandices, como a das vacinas, que ecoam nos convertidos mas que assustaram o eleitorado indeciso. Ironicamente, o melhor momento da campanha de Onyx foi na sua derrota, quando ele, democrática e diferentemente de Jair Bolsonaro, reconheceu a vitória do adversário. Com mais representantes deste trio - esquerda, centro e direita divergentes mas civilizados - quem sabe o Rio Grande do Sul não continua a dar lições ao Brasil de que o melhor caminho será sempre o de chegar a denominadores comuns a favor da democracia e da maioria da população?