Assim como o petismo e o lulismo sobrevivem, ainda que com solavancos, há décadas, o primeiro turno de 2022 demonstrou que o conservadorismo e uma direita radical passaram a fazer parte perene do cenário político nacional – e os brasileiros que preferem moderação e equilíbrio terão de aprender a conviver com mais esse ingrediente no caldeirão político.
Além do confronto entre dois sufixos nascidos dos seus líderes incontestes — lulismo x bolsonarismo —, o 2 de outubro evidenciou que os núcleos de apoio das duas principais correntes políticas do país têm um tanto de fervor religioso. Os pecados de ambos os líderes são prontamente perdoados, quando não ignorados, por seus fiéis, ambos estabeleceram liturgias próprias, com símbolos e vestes facilmente identificáveis, e seus seguidores fecham-se em mundos singulares que desprezam e desconhecem os demais universos políticos.
A devoção a Lula e Bolsonaro não aceita dissidências. Os expurgados penam no inferno do rancor e da indiferença do eleitorado, como foi o caso da deputada Joice Hasselmann. Em 2018, ao pé do altar do bolsonarismo, ela foi consagrada por nada menos do que 1,078 milhão de votos. Uma vez adversária do bolsonarismo, purgou míseros 13,6 mil votos no domingo passado e não se reelegeu para a Câmara.
A contenda entre dois ismos bem delineados e opostos pode não ser o ideal para um país marcado por abismos culturais, econômicos e sociais que, por si, criaram Brasis que não se comunicam. Se não houver equilíbrio em algum ponto do caminho — o início do próximo governo ou mandato, por exemplo —, as rachaduras tendem a se aprofundar a um ponto de difícil retorno para uma fundamental concordância sobre temas básicos para o futuro do país, como a democracia e a estabilidade econômica.
O enraizamento do bolsonarismo aglutina pela primeira vez em período democrático um Brasil conservador que, com massas nas ruas e votos nas urnas, surpreendeu um esquerdismo imerso em sua bolha de costumes e agendas que nada dizem a um país pouco conhecido pelas elites intelectuais urbanas, a começar pela força dos evangélicos.
Do esquerdismo e do lulismo já se sabe o que vem – alguns só enxergam o bem, outros só veem o mal. No miolo, uma minoria espremida que vai do brizolismo ao liberalismo ainda consegue perceber matizes aos seus gostos ideológicos. Deste Brasil mais à direita, fortemente centrado no antipetismo e que mescla pregação em templos com candidaturas e discursos radicais, restam mais incógnitas. Mas desde domingo passado, pode-se atestar que, seja qual for o resultado de 30 de outubro, o bolsonarismo não se trata de uma onda passageira.