Se você sofria de enjoo na infância, vai entender. Você tomava aquele ônibus abafado e, depois de alguns minutos chacoalhando, começava o embrulho no estômago. Você suava frio, ficava pálido e sentia aquela náusea aumentando, aumentando, aumentando, até que toda a felicidade do mundo se resumiria a uma parada e ao ar fresco no rosto.
Quem enjoa, guarda de memória os momentos que delimitam o vexame de pôr o café da manhã para fora e a redenção da pobre alma por uma parada salvadora ou sua danação porque ela chegou tarde demais. Uma delas, em 1968, no Rio de Janeiro, produziu minha inglória estreia nos círculos diplomáticos.
Aos oito anos de idade, morava ao sopé do Morro da Urca e voltava de ônibus com minha mãe de Copacabana – para quem conhece o Rio, uma viagem de menos de 20 minutos, suficientes para me deixar verde por aquele jeito tão carioca de pilotar coletivos. Na altura da Avenida Pasteur, Dona Ilse identificou o fiasco iminente e descemos de supetão diante do portão de entrada do Iate Clube. Uma pequena multidão, algo como umas 50 pessoas, se aglomerava ali, à espera de que a rainha Elizabeth II, hospedada em seu iate Brittania, saísse para algum compromisso.
Entusiasmada pela perspectiva de ver a rainha, minha mãe me colocou junto ao cordão de isolamento, em busca de ar. Não adiantou. Quando aquela pobre criança pôs-se a despejar sua refeição na calçada, abriu-se um vácuo na multidão ao mesmo tempo em que um Aero Willys cruzava o portão. “A rainha, a rainha!”, me sacudia minha mãe. Tudo o que pude fazer foi levantar o queixo babado, os olhos esbugalhados que vislumbraram o relampejo de uma luva branca acenando e, imagino, se cruzaram por microssegundo com os de Sua Majestade. Disgusting. Nunca mais esqueci a passagem da rainha pelo Brasil. Espero que ela tenha esquecido, pelo menos desse episódio.
Quem enjoa, organiza sua vida pela perspectiva do enjoo. Foi assim comigo, o que não me impediu de enfrentar por quatro vezes o Estreito de Drake, o mais tormentoso do mundo, sacolejando no navio antártico Barão de Teffé entre a Terra do Fogo e a Península Antártica. A gente sobrevive, embora com alguns vexames, como na vez em que, com o fotógrafo Silvio D’Ávila, fui cobrir uma manobra da Marinha ao largo da costa gaúcha. Decolamos ao amanhecer de Rio Grande em um helicóptero de combate e voamos cerca de 130 quilômetros oceano adentro em meio a uma tempestade.
Assim que pousamos numa fragata, impecavelmente limpa para receber os jornalistas, fomos levados a percorrer o navio, que praticamente não tem aberturas. O mar revolto, a perda do horizonte, o estômago vazio. Chega. Não quero estragar ainda mais seu café da manhã. Ainda bem que os homens do mar são compreensivos com os que enjoam.