E se a vida fosse diferente... seríamos melhores, mais alegrinhos, mais generosos, menos materialistas, menos invejosos, menos rancorosos, menos caluniadores, menos ignorantes e menos fingidos... isto é, menos infelizes?
Se a vida fosse diferente, acho que talvez, em parte, seríamos iguais. Talvez. Ou: como somos diferentes dependendo das diferenças de nossas famílias, educação, oportunidades, força de vontade, escolaridade, decência nas condições de vida... quem sabe seríamos melhorzinhos?
Os grandes milionários, desde os grandes imperadores, e, mais atrás, desde Átila, Gengis Khan e outros figurões poderosíssimos, que tinham à disposição toda a riqueza do mundo de então, seriam melhores do que seus cidadãos, ou servos, ou adversários?
Tenho grandes dúvidas. Acho, sim, que no fundo somos animais predadores com aquela casquinha de civilização, mais ou menos grossa, mais ou menos rachada, conforme as circunstâncias... mas também conforme nossa personalidade inata. Pois acredito que nascemos com uma bagagem psíquica que nos definirá basicamente para sempre, ainda que, de novo: família, educação, condições de vida, desejo de mudar e força de vontade tenham sua influência.
Sei de ótimas famílias que tiveram filhos drogados graves ou criminosos, tendo causando grande sofrimento a si próprios e aos que os amavam, conheço famílias humildes cujos filhos acabaram pessoas de bem em qualquer profissão, de pedreiro a senador.
Lógico: se vivo entre bandidos, mais fácil virar um deles. Mas onde está o Estado, que permite que a bandidagem tome conta de bairros inteiros, cidades inteiras, e que ninguém consiga respirar sem dobrar o pescoço a esses tiranetes modernos, cruéis e espertos, e mais ou menos protegidos?
Se a vida fosse diferente, talvez todos nós entendêssemos que ser feliz não é amar-se, curtir-se, ser atlético e magro e belo e rico, mas viver conforme um ser humano: generoso, cúmplice do bem, atento aos que precisam de um empurrãozinho para se arranjar na vida e ter emprego, pão para os filhos, algum lazer, e não ficar em infinitas filas para ganhar uma quentinha, uma garrafa de água, uma vacina que seja... filas de centenas de idosos para se protegerem da Peste, e chegando sua vez veem que não há vacina... e que se arranjem.
Não sei como a vida poderia ser diferente, mas com certeza o primeiro sonho de cada um não seria o vazio “ser feliz”, mas ser bom, ser útil, ser generoso, ser parceiro, amar sua gente, sua família, amigos, alunos, professores, médicos, policiais, funcionários, vizinhos e até adversários políticos, sem fingimento mas sem rancor.
Se a vida fosse diferente, quem sabe: ao menos boa parte de nós, pobres humanos, seríamos um pouco diferentes: uma gota de otimismo, hoje, é preciso.