Sou uma avó que às vezes fala palavrão. O que chamo de palavrões honestos, não obscenos nem nojentos (para mim, claro). Falava-se palavrão eventualmente na minha família, em alemão ou português. Tipo “m...” quando se dava uma topada numa pedra, ou quando se deixava cair um copo de vidro. Nada grave. Nem éramos santos nem selvagens grosseiros: na linguagem éramos, somos, eu sou, naturais.
Às vezes, só quero, e preciso, disso que a idade vai me dando generosamente: sossego, afetos, bons livros.
Volto ao assunto “palavras” porque, como todo colunista que por sinal vive delas – faço isso há muuuuuito tempo –, cada vez que escrevo e publico boto a cara na janela para que as pessoas mandem beijos ou joguem um ovinho. Cru. Podre, não, por favor. A gente de tal modo se acostuma, que não dá muita bola quando for crítica razoável, muita bola quando é séria, portanto me alerta e me ilumina, zero bola quando for tolice.
Meu desgosto pelo termo “feminicídio” provocou várias concordâncias e algumas discordâncias: que decepção, a senhora aprova o feminicídio? Tive de ler e reler para entender do que se tratava. Pois eu tinha falado, e esclarecido, que implicava com o termo e não defendia o fato... Precisava, aliás, explicar?
Aqui devo recorrer a outra palavra que não aprecio, mas eventualmente uso (não é palavrão mas parece...) e tem utilidade como feminicídio tem. Chama-se “tresler”. Ler errado, ler falhado, confundir as coisas.
Eu não sou a favor de feminicídios, nem de matar homens, velhos, crianças, animais. Até o filezinho na mesa começa a me dar uns grilos na consciência, mataram um pobre bicho... Ainda não sou vegetariana, mas aprecio quem é. E não tenho nada com o que os outros comem.
Tenho, sim, muito a ver com ser entendida dentro do possível. A invenção da palavra “feminicídio” demonstra mais uma vez o quanto nós, mulheres (pelas quais escrevo e falo e brigo há também muuuuuito tempo), ainda precisamos afirmar nosso valor e nossa existência, e isso me entristece um pouco.
Também implico com algumas cotas: devia haver, sim, para todos, cotas e bolsas financeiras para evitar que os mais pobres não entrem nas universidades... não por serem menos inteligentes ou estudiosos, mas por terem poucos recursos. Isso não quer dizer que sou contra negros, índios, ou seja lá quem for, entrarem nas universidades: ao contrário, gente!!! Mas nessa polêmica não entro porque estou meio entediada, porque faz calor demais, porque vou terminar uma tela que precisa de mais luzes, porque vou continuar lendo o excelente 21 Lessons for the 21th Century, do Harari (já existe em português), e porque me dou licença para não parecer simpática, inteligente e sábia.
Às vezes, só quero, e preciso, disso que a idade vai me dando generosamente: sossego, silêncio, afetos, bons livros, música fascinante, bons documentários, bons filmes, até mesmo (licença, por favor, de não ler só Goethe e Hegel ou ver só cinema cult) as séries policiais que me fascinam pela inteligência, sutileza e dramas humanos nos interstícios. (Ah, pra saber o que é isso, basta googlar.)