Tempos atrás, crianças da casa falavam entre si, com orgulho, de quantos anos fariam em dois anos, ou três: 15, 19. Comentei com a maior naturalidade que em três anos eu faria 80. Silêncio meio penoso, depois: "Pô, vó, 80 é pesado!". Ri muito: a ideia não tinha me ocorrido, acho que a passagem do tempo é apenas natural, ser criança, jovem, maduro, velho – apesar dos preconceitos, que dependem muito mais do sentimento que se tem. Eu, confesso, acho esse número no mínimo engraçado. "O que tem de graça em fazer 80 anos?", me pergunta uma amiga meio irritada.
Quem se foi ainda vive, onde quer que esteja, e continua em nós, que resistimos, abraçados
Mas é natural mesmo, respondo. A graça, para mim, está em eu, esta aqui, ter tantas décadas de vida e ainda ser, por dentro, a mesma de antigamente, assombrada com tudo, querendo entender o mundo – apenas agora sabendo que ele não é para ser entendido. É para ser vivido, sofrido, apreciado, contemplado. Pois é prodigioso em tudo, mesmo na miséria, na pobreza, na violência, na lua cheia, no mar resmungão, no calor dos tantos afetos que sustentam a gente ainda ferozmente em pé apesar de mais lenta no andar, e da bengala amiga. Das perdas trágicas que sofremos. Ou alguém quereria ficar cristalizado nos 20, sem mais experiências de vida, novas e ruins, uma existência estagnada?
Enfim, eu acho, sim, certa graça: neste sábado, meus leitores, a autora desta coluna completa 80 anos de idade. Talvez devido à imagem que em geral se tem dessa altura da vida: encarquilhados, tortinhos, indefesos, dentes postiços, quase alimentados com colher e mingau. Mas: muitos jovens ficam entrevados, doentes, sofridos, deprimidos – muitos velhos participam da vida, nada alienados diante das belezas e dos horrores em torno. Não precisamos ser lindos ou atléticos, o que decididamente nunca fui, mas gostar de viver.
Mesmo quando a sombra da morte nos derrubou com força, de repente, aqui e ali, um galhinho verde muito claro desabrocha na galharia maltratada. Saímos dessa UTI em que a dor nos coloca, espiamos o corredor, olhamos pelas janelas para as árvores lá fora: o sol, e as pessoas, os carros, o vento, uma aconchegante chuva, a vida ainda existe. E, se estou nela, não quero me arrastar, mas caminhar.
Começo a recuperar a capacidade de rir, sobretudo das minhas próprias bobagens, ou da graça e dos encantos dessa juventude animada que aparece aqui, sangue do meu sangue (expressão esquisita), filhos, netos, netas. E as amizades de tanto tempo. O parceiro com sua parceria. Os livros que escrevi, estou escrevendo, e os que leio sem parar porque não perdi a curiosidade pelas tramas e pelos dramas que envolvem o ser humano, comovente ou assustador. Sem esquecer os leitores amados, alguns me seguindo há mais tempo do que eu teria imaginado.
Depois de reunir na noite de sexta um grupo de amigas que se intitulam Gurias da Lya – e nem preciso convidar, porque se aprumam e me enchem de afeto –, neste sábado, almoço da família aqui em casa, com mais alegria porque estamos todos juntos. Pois quem se foi ainda vive, onde quer que esteja, e continua em nós, que resistimos, abraçados.