“O que te leva a escrever poesia? O que você busca?”
“Não sei. Mas sei que busco estar viva. Bem viva. Xucra.”
Assim encerra o surpreendente livro Mugido (ou diário de uma doula), de Marília Floôr Kosby, pelas edições garupa (Rio de Janeiro, 2017). Livro de poesia. Não sei se começo falando dos textos ou do nome.
Mugido é isso mesmo que o senhor pensou e a senhora lembrou, a manifestação vocal da vaca; mas e o subtítulo, “diário de uma doula”? Doula é a mulher que auxilia partos. Entre “mugido” e “doula”, que distância existe?
De certo modo, a matéria-prima do livro é essa distância. Os poemas falam de mugido mesmo, como o primeiro de todos, que começa assim: “mais ou menos que um livro / isto é um êxodo / de uma tal condição / humana”. Se vale a declaração, já aqui se anuncia que o livro quer mesmo encontrar laços entre a condição da vaca, a que muge, e a condição da mulher, como a autora, que dá aquela resposta ali de cima, manifestando o desejo de permanecer viva e xucra.
O lado doula da coisa vem em textos em prosa, que se intercalam aos poemas. Naqueles, lemos algo como uma memória, que coincide com a biografia da autora, relatada numa entrevista ao final do volume: filha de veterinário, nascida em Arroio Grande, vizinho ao Uruguai, ela acompanhou o pai em trabalho pelas estâncias, vendo nascer filhotes de vacas. O que lemos ali, então, são relatos sobre partos de vacas mas é mais que isso – é uma forma inesperada de solidariedade da voz poética com a voz que muge.
Talvez o leitor agora tenha levantado uma sobrancelha. Eu levantei, ao ler. E, bá: os poemas são realmente impressionantes, fortes, viscerais. Não admira nada que o livro seja finalista do Jabuti, agora mesmo.