Nunca tinha lido, confesso, o clássico A Cabana do Pai Tomás, da norte-americana Harriet Beecher Stowe. Publicado em folhetim seriado em 1851/2, saiu em volume neste segundo ano e foi um estouro geral – centenas de milhares de exemplares foram vendidos e lidos avidamente. A leitura da triste história de Tomás e outros escravos protagonistas, como Eliza, o marido George e seu pequeno Harry, moveu consciências e ajudou na campanha pela abolição – que lá, nos EUA, em 1863, um quarto de século antes da nossa.
Não tinha lido mas sabia, porque a história tinha virado radionovela e chegou a virar clichê – o pai Tomás era um idoso escravizado e fiel a seu patrãozinho, que num momento de crise financeira não hesita em vendê-lo, para saldar dívida. Mesmo assim Tomás, cristão, segue perdoando a todos, até mesmo a um outro escravo que é encarregado de torturá-lo, na nova fazenda para a qual foi movido na marra.
O livro dramatiza as coisas como uma telenovela, um folhetim dos bons tempos – tem cartas inesperadas, heranças, encontros casuais que definem o destino, mas também trabalho abnegado, solidariedade e, o que me surpreendeu positivamente ao ler agora o livro, debate sobre alternativas concretas que a opinião pública estadunidense discutiu. Foi o caso, por exemplo, da tese de que o melhor a fazer era libertar os escravos, sem demora, mas mandá-los todos de volta para a África, especialmente para a Libéria, país inventado para acolher justamente esses desafortunados. Quer dizer: a narrativa tem a nitidez de quem enfrenta de peito aberto os problemas.
A recente tradução, de Bruno Gambarotto, é uma jóia de trabalho, feito pela editora Carambaia: mantém o ritmo do original (que dá pra consultar em vários sites de bibliotecas), o qual procurou marcar na escrita as diferenças de estilo de fala entre alfabetizados e iletrados. Há posfácios esclarecedores, para mostrar contexto e exibir parte da fortuna crítica que o livro mereceu imediatamente após seu lançamento e as dezenas de traduções.