Vinte e dois anos atrás faleceu Luiz Sérgio Metz, vulgo Jacaré, cuja excelente obra lamentavelmente saiu do horizonte das leituras correntes. Seu romance Assim na Terra (com reedição recente pela Cosac Naify) é um raro fenômeno de beleza e mergulho nos sonhos e delírios desta região fria e úmida do planeta. Lembro dele sempre, e mais uma vez agora me voltou à mente uma frase dele, neste lamentável caso da esquisitíssima ideia de uma ópera-rock sobre a Guerra dos Farrapos – episódio da história, tese, fantasia, fantasma, espantalho, cavalo de batalha, cadáver adiado que ainda procria.
Trabalhamos juntos na secretaria de Cultura da cidade de Porto Alegre, gestão Pilla Vares e Margarete Moraes, numa equipe de gente cheia de vontade de fazer o belo e o justo. Ideias de tudo que era tipo animavam o grupo de coordenadores, entre os quais Luciano Alabarse, Carlos Branco, Fernando Schuler, Jorge Pozzobon, Beto Rodrigues, Bia Barcellos, Adroaldo Correa, tanta gente interessante que devo estar cometendo o crime de esquecer quem não deveria esquecer.
O orçamento era sempre menor do que os projetos; e havia as constrições políticas, que sempre há, à direita e à esquerda, a oferecer caminhos e a impor limites. Como decidir as prioridades? Numa dessas conversas é que o Jaca saiu com esta: "Nós precisamos é ajudar a descobrir qual é a cor da cidade, qual o som da cidade, qual a palavra de Porto Alegre".
Ele gostava de falar com enigmas, elipses, metáforas. Mas estava claro: era preciso colocar nosso esforço a favor mais da cidade do que de nossos interesses, para que ela – entidade complexa mas pulsante e audível – se manifestasse. Nasceram coisas geniais nesse contexto. O Fronteiras do Pensamento, em formato agora profissional e de mercado, brotou ali. Na área do livro, força e dinheiro para melhorar a Feira do Livro, que já estava inventada (e agora precisaria muito de algum aporte!). Desenho de políticas de preservação patrimonial, discretas mas decisivas. Mais que todos, o magnífico EmCena, inventado 25 anos atrás e firme e forte, apesar de tudo.
Sempre ouvindo a cidade.