Saiu agora, pela primeira vez em português, pela editora Unesp, A História de Nicolas I, Rei do Paraguai e Imperador dos Mamelucos, livro publicado pela primeira vez em francês, alemão e italiano em 1756. A tradução e o esclarecedor posfácio são de Fernanda Veríssimo. O autor não se conhece, nunca se conheceu; mas a história compartilha um monte de informações muito sabidas.
Trata-se de uma narrativa romanceada, que atiçou a imaginação europeia. Estrutura-se primeiro numa levada picaresca, com um protagonista nascido em berço simples, na Andaluzia, e logo mostra um caráter péssimo. Nicolas era um perverso que roubou até a mãe ao fugir para Sevilha. Com trapaças e certo encanto pessoal, se coloca numa casa aristocrática, engambelando a senhora. Foge de novo, vivendo com grande jogo. Vira jesuíta, mas mesmo assim casa em outra cidade, enganando os dois lados.
Só depois de todas essas peripécias é que Nicolas migra para Buenos Aires, e aí de fato começa sua aventura destacada, motivo da fama do relato que agora lemos. O contexto é o da implementação do Tratado de Madri, que aqui no sul conhecemos bem por ao menos um aspecto – para sua vigência, se juntaram os exércitos de Portugal e Espanha para expulsar os jesuítas e os índios que viviam nos famosos Sete Povos.
Liderando índios contra padres, vira rei do Paraguai e depois amplia seu raio de ação para acumular o título de imperador dos mamelucos de São Paulo. Só essa ligação, autorizada pela fantasia do autor, sugere uma dimensão que hoje nós desprezamos, justamente essa ligação interna entre Paraguai e São Paulo, quer dizer, esse mundo ameríndio que é parte essencial do Brasil e da América, mas que nós não vemos porque, ora, porque nossa história é toda ela litorânea, exclusivizando açúcar, ouro e café, ou seja, Salvador, Ouro Preto e Rio de Janeiro.