A força e a velocidade das mudanças do presente e do futuro – nunca mais seremos os mesmos que pensávamos que íamos ser – se repetem na alteração do passado. A historiografia de nossos dias está produzindo sínteses sensacionais, baseada em estudos acadêmicos de variado tipo e alcance. O resultado é que precisamos mudar nosso modo de pensar o que pensávamos estar lá atrás, parado, inerte.
Aqui vai uma dessas sínteses: 1499 – O Brasil Antes de Cabral, de Reinaldo José Lopes (editora Harper Collins), jornalista de ciência especializado em evolução e Pré-História. Um passeio instruído sobre o que se sabe agora acerca desta parte do mundo que viria a ser o Brasil. Como eram os nativos? Com que elementos organizavam sua vida? Quais eram as principais etnias? Como se diferenciavam?
Sim, tudo isso tem resposta boa, escrita em português de gente e até bom humor. Dois exemplos: eram quatro as grandes etnias por aqui: carib, aruak, tupi e macro-jê. Aqui no Sul as duas últimas são centrais, e o livro as descreve com ótima clareza, mostrando suas diferenças e combatendo incontáveis preconceitos.
Outro exemplo é a resposta que Lopes dá a uma pergunta que atualmente a direita furiosa tem feito, para falar mal de indígena local: por que os europeus venceram, se aqui havia milhares de anos de vida? Que superioridade eles tinham sobre os americanos?
Uma delas era sem dúvida a enorme quantidade de bichos domesticados lá, contra escassíssimos aqui. Os grandes animais americanos (chegaram a ser mais de 80 espécies) haviam sido extintos, tendo restado aqui apenas a anta e a onça no Sul, mais bisão, alce e uma rena no Norte, contra dezenas lá. Domesticados, aqui, só quatro; muito pouco, comparado com a Eurásia – vaca, cabra, ovelha, porco, cavalo, galinha, jumento, camelo. Esses animais reuniam traços favoráveis para humanos: eram herbívoros (não comiam o homem), de grande tamanho (permitiam força de tração para a agricultura e a guerra), temperamento favorável (se deixaram domar) e vida em grupos numerosos e pacíficos (permitindo ao humano ocupar o lugar de dominante).
Os ameríndios não tiveram, por exemplo, a chance de beber leite de vaca, nem obtinham seu couro e as proteínas de sua carne, ou de usar o forte boi na lavoura. E para piorar, os criadores de animais na Eurásia tiveram tempo de adquirir deles parasitas microscópicas, tendo então um destino evolutivo particular – não morriam mais de muitos tipos de doenças que, quando apresentadas aos ameríndios, causaram aqui uma mortandade infernal.
História com nova luz, enfim. Um ótimo negócio para alongar a perspectiva.