Ser colega de trabalho e admirador do resenhado já complica qualquer pretensão de neutralidade. Então, prezado leitor, não veja isenção nas palavras que seguem, que querem apresentar e comentar o livro que desde o título obriga a abandonar a indiferença: Talvez um Instrumento o que se Houve ao Fundo, de Guto Leite (Ed. Moinhos, de Belo Horizonte).
O caso é que o autor tem mais de uma face, como artista. Cancionista e cantor, o Guto é de uma agradável amenidade estética: não que faça coisas triviais, mas que faz coisas agradáveis, sambas, marchas, valsinhas, uma penca de coisas que se ouve com gosto e ganho óbvio, mesmo aquelas com letras pontiagudas de evidente conteúdo crítico, mesmo com melodias e harmonias pontudas, com dissonâncias e quebras e tal, mas sempre dentro da melhor tradição da canção que tem como centro o samba e aquilo que se chamou MPB. Veja lá o CD Brique ou o recente Dez Canções Sem as Quais Você Não Poderá Viver Nem Mais um Segundo.
Como poeta de livro, o Guto é..., como vou dizer sem ser agressivo com o leitor? Um chute na nossa retina. Difícil, chato, aborrecido. No novo livro tem desde logo aquele "h" que parece estar sobrando: não era pra ser "ouve"? E, meu caro, é isso o tempo todo. O primeiro poema tem mais de 20 páginas, em formato muito incomodativo, blocos de texto em que as palavras escorrem de uma linha a outra muitas vezes pela metade, e não na divisão silábica, a qual nos daria alguma serenidade.
Tem muito comentário sobre o tempo que passa e vai acabando com sonhos e planos. Tem desilusão em forma autocrítica e tem dedo na cara – "se teu verso não causa / náusea ou suicídio / é propaganda", por exemplo. A gente tira o olhar da página, porque, vamos combinar, é ruim de ver isso, como aquela lâmina cortando o olho surrealista. Sacações finas como "custo um tempo / pra saber se é rica / ou se é bonita" e agressões puras ao bom-mocismo como "não gaste anestesia / com a negrinha". Bá.
Enfim, não estou aqui recomendando o livro, porque a leitura aborrece mesmo, do começo ao fim. E é pra isso que a gente, a escassa gente que lê poesia, vai a um livro de poesia? E é pra isso que existe poesia, chocar, fazer chorar? Sei eu lá.