Gustavo Matte vai me perdoar o trocadilho, que está ali só pra fisgar o leitor e serve para introduzir o comentário sobre seus dois livros, publicados pela editora Kazuá. Um ensaio, Menos tropical e mais tropicalista: subtropicalista, outro um romance com o cifradíssimo (no limite, incompreensível) título Demo via, let’s go!. São duas partes de uma mesma conversa, que o autor quer estabelecer. Com quem?
Já respondo. Antes, a notícia: o ensaio é uma memória/reflexão dedicados a relatar o caso do autor mesmo, nascido em Chapecó e agora habitante de Porto Alegre, um pensador insatisfeito que se coloca problemas sobre sua identidade. “O que é que a colona tem?” é uma pergunta irônica que sintetiza a bronca: como é que é ser de uma cidade muito jovem, periferia de seu estado, povoada por descendentes de alemães e italianos antes aclimatados no Rio Grande do Sul, mas atropelado pela cultura de massas dos anos 1990, já com a internet funcionando? Cidade próspera, muito fora da linha de força escravagista, monocultora e latifundiária; cidade feita sobre os escombros da vida ameríndia, reduzida a uns poucos agora marginalizados.
O romance, largamente inventivo, narrado segundo estilos variados (e com torções gráficas bacanas), aqui melancólico, ali irônico, fabula a vida de um sujeito como esse descrito no parágrafo anterior, em duas partes: “Delirium colonum” e “Catástrofe e êxodo”. Tem momentos de alta tensão narrativa, outros mais frouxos, mas um conjunto não apenas legível, como forte - “genuíno” é o adjetivo que me ocorre.
Mas há a amargura, baixo-contínuo dos dois livros. Com quem? Com o mesmo alvo a quem ele parece se dirigir: Porto Alegre, sua juventude intelectualizada, o suposto mundo culto. Em mais de um momento a cidade é denunciada como indiferente, impenetrável, para o sujeito que ali se expressa e que quer encontrar uma identidade (e não hesita em convocar o nome “tropicalismo” aqui, embora lembre a “estética do frio” ramiliana).
Às vezes dá a impressão de ser uma briga errada, essa - mas ela não é irrelevante. Os livros são irmãos de sangue de Os famosos e os duendes da morte (Iluminuras), ótimo romance de Ismael Caneppele, na mesma geração, e de Riobaldo e eu - A roça imigrante e o sertão mineiro (BesouroBox), sensacional ensaio de J. H. Dacanal, na geração anterior. E só essa companhia já mostra que estamos falando de um problema forte e duradouro, que Gustavo Matte ataca com gana forte e boa força estética.