Quem gosta de livros conhece o problema: tem uma penca de coisas pra ler, na cabeceira, ao lado do sofá, no escritório, no banheiro – mas bota o olho em um livro novo e, bá, esquece os outros para mergulhar na novidade. Por nada, a não ser o capricho.
Me aconteceu de novo esses dias: eu com compromissos de leitura variados e avantajados, me aparece a primeira edição em português do Diário do Conde D'Eu, edição preparada com competência e zelo por Rodrigo Goyena Soares para a editora Paz & Terra, e eu não resisto. Não tenho especial interesse no tema, mas há muitos anos cultivo o gosto de entender melhor o mundo do sertão brasileiro, esse mundo que vai de Bagé ao sertão seco do Nordeste e, à esquerda, alcança o cerrado e o Pantanal, quer dizer, todo o Brasil menos a estreita faixa do litoral e a Amazônia.
Pois o Conde, marido da princesa Isabel, era um jovem de nem trinta anos quando foi designado comandante das tropas brasileiras na Guerra do Paraguai, no final do conflito. Vinha de educação europeia e de experiência guerreira no Marrocos, e alimentava ilusões de vir a liderar com a esposa um terceiro reinado, quando foi para lá. Era 30 de março de 1869; um ano depois ele estava de volta ao Rio, já acabada a guerra.
Caboclos e índios, brasileiros e paraguaios, assim como negros e mulatos, eram a massa dominante entre os combatentes. O príncipe era racista, explicitamente, e o diário dá a ver isso. A rotina era, no geral, vergonhosa – mistura de imperícia (os comentários dele sobre o famoso Guia Lopes são muito desabonadores), improvisação e truculência, em condições hostis, chuva, charco, umidade e calor excessivos, circunstâncias que o Conde registrou miudamente.
Deixou também algumas impressões sobre os gaúchos, como esta: "É um homem muito cumpridor de ordens, como dizem os gaúchos". Noutro dia, ao comentar a chegada de um certo oficial, escreveu: "estendeu-me a mão, desajeitado como todos os gaúchos". Cumpridor e desajeitado, o gaúcho que o refinado Conde viu.