"Somos rebeldes". Assim, se definem os torcedores do Espanyol. Essa rebeldia mais do que move os "pericos". Mantém vivo um clube de 123 anos e que, a partir dos anos 70, vê crescer cada vez mais um gigante ao seu lado. O Barcelona cresce em progressão geométrica e parece sufocar o rival da cidade em um canto. Não é fácil ser vizinho de quem ganhou tanto tamanho que se tornou ponto turístico tanto quanto a Sagrada Família e as obras de Gaudí, Picasso e Dalí.
Neste domingo (5), o Espanyol recebe o Sporting Gijón, de Miguel Ángel Ramírez. Faltam cinco rodadas, e o Espanyol está em quarto, a quatro pontos do acesso direto para La Liga. O Gijón é sétimo, o confronto é direto. Mas quase nada se fala do jogo. Todas as atenções estão em Girona x Barelona, os outros dois catalães.
Dividir espaço com o Barça é impossível. Porque ele não deixa espaço, é quase onipresente na cidade. Você passa na Plaza Catalunya e lá há loja oficial do Barça. Vai no coração da Passeig de Gràcia e, entre as lojas de grife, está a do Barcelona. Na Sagrada Família, na lateral dela, o que há?
Loja do Barcelona. No shopping Arenas, a arena de touros que virou centro comercial, há loja do Barça. Nos dois terminais do aeroporto, duas lojas oficiais. São oito na cidade, incluindo a do Camp Nou. Nenhum turista sai de Barcelona sem comprar um item oficial do clube. Os preços são pouco amigáveis, mas é tanta loja que, uma hora, você cede.
Nesse contexto "blaugrana", o Espanyol luta para seguir vivo, apegado à sua história e com seus fiéis torcedores. A rivalidade entre os clubes é forte. Em um Barcelona x Mallorca, numa sexta de inverno, jogava no meio-campo visitante Sergi Darder, ex-ídolo do Espanyol. O jogo corria silencioso até que um sujeito de mais um menos 120 quilos, pinta de lenhador, se levantou quando Darder tentou um ataque:
— Perico hijo de p*!"
Os turistas em volta olharam assustados. Os catalães sorriram, alguns aplaudiram. O jogo seguiu. Mesmo sendo o gigante, o Barça dispensa amenidades com o Espanyol. Muito da queda de público nos jogos no Montjuic é porque o estádio, por 12 anos, foi casa do rival.
Depois de vender o Sarriá, aquele de 1982, o espanyol se instalou no estádio olímpico. Em 2009, inaugurou o moderno Front Stage em Cornellià, cidade colada a Barcelona. Já que a localização do Montjuic não agrada e suas instalações são antigas, por que não jogar em Cornellià?
— A torcida do Barcelona não iria. E a do Espanyol não aceitaria — me explicaram.
O Front Stage é um estádio moderno. Tem 40 mil assentos, conforto, acessos, estacionamento e arquitetura de uma grande caixa azul. Na esplanada, há um shopping center do tamanho do Iguatemi. É possível chegar de metrô desde Barcelona. Desce no final da linha azul, caminha 15 minutos pelo charmoso centro de Cornelliá, com sua rambla, e pronto. Só que, ali, o Barça só entra como visitante. Talvez o Girona jogue lá a Champions League em 2024/2025. Talvez, porque o Girona é próximo do Barça e tenta roubar do Espanyol o posto de segundo clube catalão.
Aliás, a veia catalã está na origem do Espanyol. Muitos acreditam que, por ter o Real no nome, ele está alinhado a Madri. É o contrário. O Barcelona em, 1899, foi fundado por estudantes estrangeiros. Sentindo a necessidade de criar um clube para os catalães, estudantes da Universidad de Barcelona fundaram o Espanyol no ano seguinte. Em 1912, o clube aproveitou oferta da monarquia e solicitou o título de Real e a coroa do escudo.
O ponto é que, até os anos 1970 (ou a chegada de Cruyff), os dois clubes andavam na mesma estrada. Porém, o Barcelona se vitaminou e ganhou status de clube global. O Espanyol, por sua vez, ganhou a Copa do Rey em 2000, depois de 40 anos, e a repetiu em 2006. Tem quatro ao todo. No ano seguinte, foi vice da Copa da Uefa. Perdeu nos pênaltis para o Sevilla, assim como havia perdido para o Leverkusen, em 1987/1988. A falta de títulos ganhou o acréscimo dos rebaixamentos. Dos cinco na história, dois vieram nos últimos quatro anos.
Essa aridez de conquistas faz o torcedor de viver de pequenas glórias: é um dos 10 fundadores da La Liga, em 1929, fez o primeiro gol da La Liga e da Copa de España, teve Kubala e Di Stéfano juntos no ataque, foi primeiro espanhol a jogar na Rússia e na Ásia, e, olha só, o primeiro gol de um chinês na La Liga foi de um jogador seu! Mais, Casillas, Asensio, Callejón e Joselu vestiram a camisa do clube.
As dificuldades e as derrotas constroem a resiliência do torcedor. Tenho um colega de aula, o Javier Albansanz, fanático pelo Espanyol. Dia desses, ele estava nos mostrando grandes momentos recentes do time no Youtube. Era uma coleção com quase vitórias sobre o Barcelona, um empate heroico, um golaço de um ídolo recente. Nada que o incomode. No colégio, quase sempre era o único do Espanyol na aula.
Para ele, ser "perico" é mais do que orgulho. É um jeito de olhar a vida e de encarar o mundo. Mesmo que, no caso do Espanyol, alguém com o tamanho do mundo esteja na mesma cidade, querendo espremê-lo. Para sobreviver, só mesmo sendo rebelde.
Por que Perico? No Sarriá, onde o Espanyol morou por 86 anos, as árvores eram tomadas pelos periquitos, que em espanhol, são chamados "pericos".
Ídolo eterno
Em agosto de 2009, o clube fazia sua pré-temporada no CT de Coverciano, da Itália. Depois do almoço, os jogadores descansavam quando o capitão do time, Dani Jarque, sofreu ataque cardíaco e morreu. Dani tinha 26 anos e havia sido formado no clube.
Desde lá, só jogadores saídos da base podem usar a camisa 21. Em todos os jogos em casa, há homenagem no 21º minuto. O CT do clube foi batizado com o nome do jogador. Há uma estátua no acesso ao prédio onde ficam as instalações do time principal.