Não quero estragar a ceia de ninguém, nem esquentar a cerveja ou o espumante do Réveillon. Mas é que precisamos falar de SAF nesta virada do ano. Somos obrigados a encarar esse assunto, colocá-lo na pauta de Grêmio e Inter. Mesmo que cause calafrios em alguns e provoque ojeriza em outros. O fato é que, se não acordarmos para o mundo do futebol, ficaremos (ainda mais) para trás. As soluções que nossos dirigentes encontraram ali atrás já deixaram faz tempo de nos tornar competitivos. E vou avisando: não adianta à meia-noite do dia 31 comer uva, pular sete ondas, ir para baixo da mesa com a cumbuca de lentilha. Não haverá magia que nos fará encurtar a distância que, a cada ano, cresce.
Antes de você reagir com virulência aí do outro lado, vou me antecipar. Quando falo de SAF, não significa que vender o futebol do Grêmio ou do Inter para um investidor estrangeiro, entregar as chaves dos CTs e dos vestiário e ir para casa torcer. Longe disso. Passados 28 meses da aprovação da Lei das SAFs, começam a surgir novos modelos, diferentes daquele adotado por Cruzeiro, Vasco e Botafogo. A sombra da falência e soterramento por dívidas próximas do bilhão de reais, os três tiveram de escolher uma saída na encruzilhada: um dono ou uma vida franciscana na Série B ou, se dormisse mais no ponto, na Série C. O Cruzeiro, sempre é bom lembrar, brigou dois anos para evitar o rebaixamento à Terceira Divisão. O Vasco caiu quatro vezes entre 2008 e 2020. Na última passagem pela Série B, repetiu o ano.
O cenário, agora, começa a apresentar outras alternativas. O Fortaleza se reestruturou, virou superavitário, viu sua receita bater o recorde do Nordeste em 2022 e, neste ano, criou sua SAF. Negocia a venda de uma parcela dela. Mas já avisou o mercado: o controle acionário será do clube. Quem quiser embarcar, saiba que estará fazendo um investimento, não comprando um clube. O Athletico-PR é outro que segue na mesma linha. Márcio Celso Petraglia, homem forte do clube, preparou o terreno e está à espera de interessados.
O modelo desejado pelo clube paranaense é o mesmo dos cearenses. Fala-se, no mercado, em valores na casa de R$ 1,2 bi por 40% das ações. Imagine você, o Athletico-PR, com dívida do estádio equacionada, CT de ponta, gestão exemplar e R$ 1,2 na conta para investir. O Flamengo também iniciou estudos para sua SAF. É o bilionário do futebol brasileiro e, por isso, pensa em um investidor para construir seu sonhado estádio. Em troca, daria um percentual da sua SAF. Antes havia projetado este modelo em que o parceiro entraria com investimento em tecnologia, que o capacitasse a buscar novas receitas. Tudo ainda está na fase de análise, mas o clube carioca pode descolar ainda mais da turma com a injeção de receita. Seria quase um Banco Central de camisa, calção e chuteira.
Mesmo que o Flamengo siga associativo, ele já está longe do nosso alcance. A folha salarial dos jogadores vai fechar este ano, segundo projeções, em R$ 435 milhões. Para comparar: o orçamento do Inter para 2023 projetou receita de R$ 491,3 milhões. Só 12% acima do gasto do Flamengo com a folha salarial. No caso do Grêmio, com a suplementação de R$ 30 milhões pedida em outubro, seu orçamento bateu em R$ 438 milhões. Uma folha anual do Flamengo.
O Palmeiras segue na mesma toada dos cariocas. A estimativa em outubro era de que fechasse 2023 com R$ 700 milhões de receita. A saúde financeira e as conquistas no campo fazem com que o clube preveja liquidar a dívida com a Creias em 2024. No final de 2019, essa dívida era de R$ 179 milhões.
Nem vou me alongar aqui para falar do Bahia, a versão baiana dos xeques de Abu Dhabi. Em 2023, no primeiro ano, foram investidos mais de R$ 100 milhões. As especulações é que a permanência na Série A faça esse valor triplicar. Entraria aqui, é bom frisar, investimento em um novo CT e outros custos para melhorar a operação. Porém, o grosso desse dinheiro será em jogador. O Bahia, nesta semana, ouviu sobre o interesse do Palmeiras em Cauly e mandou avisar que, se pagar a multa de 50 milhões de euros, ele vai. Caso contrário, nem perca tempo.
Poderia ainda falar do RB Bragantino, cujo modelo de negócio é diferente, com a Red Bull aplicando sua estratégia de apostar em jovens jogadores. Tanto que pretende iniciar 2024 em um CT com projeto é igual ao do RB Salzburg. Ali, treinarão do sub-13 ao profissional. Mas nem vou me alongar. Acho que os números citados aqui já são elementos suficiente para convencê-lo de que precisamos falar, sim de SAF. Ou encontrar um modelo que seja nosso, com a cultura de Grêmio e Inter. Porém, ele precisa sair do forno urgentemente. Ou seremos coadjuvantes.