O Bolívar que receberá o Inter daqui a 10 dias é o maior exemplo da globalização do futebol. Trata-se de um clube boliviano, com endereço no meio dos Andes, mas com processos ingleses fornidos pelo dinheiro de Abu Dhabi. Essa parceria com o City Group é só parte da explicação para a presença de um clube boliviano nas quartas de final da Libertadores.
Por trás da aura de poderoso da montanha há um planejamento estratégico ousado, com meta de ser campeão continental até 2025, e os conceitos de gestão profissional trazidos por Marcelo Claure, um empresário bilionário, cujo poder de investimento foi alvo de assédio de bancos brasileiros que buscavam no mercado interessados em embarcar em SAFs por aqui.
Falar do Bolivar sem mencionar Claure é quase impossível. Há 15 anos, o clube estava à beira do colapso quando Claure foi procurado por Guido Loayza, conhecido dirigente boliviano e que comandava a federação nacional em 1994, na sua última Copa do Mundo. Claure é um guatemalteco filho de bolivianos com grande sucesso no mercado financeiro. Até o ano passado, era sócio-diretor do banco de investimentos japonês Softbank. Atualmente, é o homem forte da Shein na América. Trata-se, portanto, de uma das carteiras mais recheadas do continente.
Foi com a chegada de Claure que o Bolívar emergiu guiado por um projeto para colocá-lo como uma das forças do continente. É um projeto de futebol, mas também é um projeto para inspirar o país e mostrar que é possível superar as questões de autoestima e ser protagonista além dos Andes.
Loayza e Claure criaram, lá em 2008, a Baisa, Bolívar Administración, Inversiones y Servicios Asociados, transformando o clube em empresa. Até 2019, quando Loayza passou o cargo de presidente para Claure, foram nove títulos nacionais e uma semifinal de Libertadores, em 2014. Quando assumiu a cadeira, Claure traçou o Plan Centenário, uma espécie de mantra do clube. Neste plano estratégico foram estabelecidas metas a serem cumpridas até 2025. Ei-las:
- Ser campeão da Sul-Americana ou finalista da Libertadores;
- Inaugurar um centro de alto rendimento em La Paz;
- Inaugurar um centro de rendimento para a base em Santa Cruz de la Sierra;
- Inaugurar um estádio próprio, com o DNA do clube;
- Ganhar um título por ano.
Todo esse projeto veio com a certificação de um parceiro de peso. Claure foi a Manchester e fechou uma aliança com o City Group, a maior holding de futebol do mundo, com 12 clubes em seu portfólio. O empresário iniciou sua relação com os xeques de Abu Dhabi quando se tornou dono de ações do Girona, o time espanhol do City Group, em agosto de 2020. O novo negócio foi um dos motivos que fizeram com que vendesse, para Beckham e os irmãos Mas, sua fatia do Inter Miami.
O Bolívar, é bom frisar, não é um clube do Abu Dhabi Group. A relação se dá da seguinte forma: o City assessora e empresta com seu conhecimento em projetos, como o estádio, o CT e processos de gestão, e ganha em troca o privilégio de ser o primeiro destino das joias reveladas pelo Bolívar. Agora mesmo, duas promessas foram emprestadas ao Bahia. Yeferson Mamani e Diego Arroyo ficarão seis meses no sub-20, em Salvador, vindos de uma temporada no Girona.
Para o Bolívar, a parceria teve como fruto, por exemplo, o assessoramento do City Group na construção e equipagem do recém inaugurado CT numa área de 7,8 hectares no sul de La Paz. Ao todo, foram gastos US$ 8 milhões. O projeto é semelhante ao do CT do Manchester City. O estádio para 20 mil pessoas, cujas obras se iniciaram no dia 1º, tem projeto desenhado pela L35, a mesma empresa que toca a modernização do Santiago Bernabéu. A inauguração está prevista para abril de 2025, e o custo será de US$ 45 milhões.
O CT da base erguido em Santa Cruz de la Sierra é a quinta academia do City no mundo. O projeto foi todo desenvolvido em Manchester. A escolha por colocá-lo ao nível do mar tem uma explicação fisiológica: a estatura média é maior em relação a de quem nasce na altitude. Claure estabeleceu uma rede de olheiros que cobre toda a Bolívia. O plano dele é abastecer a seleção de jogadores e, com essa visibilidade, vendê-los no Exterior. Primeiro, eles serão levados a Santa Cruz de la Sierra, onde contarão com toda a estrutura, além de aulas de inglês e trabalho de neurociências.
A venda de atletas é o caminho para alcançar outra meta estabelecida no Plan Centenário, de triplicar a receita anual, saltando-a de US$ 6 milhões para US$ 18 milhões anuais. São números tímidos perto do que se vê aqui no Brasil. O Inter, por exemplo, tem faturamento de R$ 491 milhões para 2023. Na conversão, pouco mais de US$ 100 milhões. Ou seja, cinco vezes mais do que a meta ousada do Bolivar. Porém, é bom ficar atento. Esse mesmo Bolivar, até alguns anos, era figurante na Libertadores. Com projeto e gestão profissional, mostrou que também pode viver longe da montanha.