Neste domingo (16), em um evento batizado como "Unveil" (A Revelação), Messi será apresentado pelo Inter Miami. Os norte-americanos são craques em produzir eventos. Há promessa de estrelas musicais na festa para 18 mil torcedores no DRV PNK Stadium, em Fort Laudardale. Arquibancadas tubulares estavam sendo montadas para ampliar a capacidade e surfar na onda de euforia que se criou com a chegada do astro.
O Inter Miami joga sábado, contra o St. Louis City. Mas isso é o de menos. Para entender o que se passa na MLS neste momento, a coluna conversou com André Zanotta, diretor técnico do Dallas.
Como está repercutindo?
Messi é, sem dúvida, o maior que jogador da história da MLS, Tivemos vários grandes nomes, como Beckham, Thiery Henry, Kaká, Ibrahimovic, Pirlo, mas igual na grandeza do Messi, ninguém. É justificável esse barulho e a ansiedade do público para vê-lo em ação aqui. Um exemplo que posso te dar é algo que, no Brasil, é impensável. Temos uma loja oficial do Dallas FC no nosso estádio que vende também as camisas dos outros clubes da MLS. A camisa do Inter Miami esgotou. Além disso, acabaram as letras S usadas nas personalizações das camisas, de tanto que pedem para colocar o nome Messi. O norte-americano está cada vez mais interessado pelo futebol. O esporte está crescendo, a MLS está em ascensão. Como esse ciclo de Copa do Mundo, a chegada do Messi, o futebol tem tudo para crescer cada vez mais. A liga ficará mais forte, o que beneficiará todos os clubes.
Você mencionou o ciclo de Copa. Mas os EUA têm, na sequência, a Copa América 2024, Mundial de Clubes 2025, Copa 2026 e Olimpíada 2028.
Os EUA estão no centro do futebol hoje. Para quem está na MLS, quem trabalha com futebol aqui, é espetacular. O futebol já é o esporte mais praticado entre meninas dos seis aos 17 anos, não é segredo. Hoje, ele já o segundo mais praticado por meninos na mesma faixa de idade. Ou seja, é um público que, lá na frente, vai consumir o futebol. Ainda não deu tempo de fazer aquela transmissão do pai para o filho, do filho para o neto, a MLS é muito nova, estreou em 1996. O amor pelo clube ainda está sendo construído. Como todos esses eventos de futebol e o acordo da Liga com a Apple TV+, se gerará mais visibilidade e interesse.
Inclusive, neste domingo, de forma simultânea e na costa oposta, na Califórnia, estará sendo disputada a final da Copa Ouro.
Sim, é a "Copa América" da Concacaf (o México enfrenta o Panamá, pelo título). Vimos estádios lotados nos jogos. Outro sinal de crescimento é que a MLS bateu, neste ano, o recorde de público em um jogo. Mais de 82 mil pessoas viram o clássico de Los Angeles, LA Galaxy x LAFC. A Liga já está na frente do Brasil em média de público. Isso mostra o interesse do público americano pelo futebol, um país que é a maior potência econômica e apaixonado por esporte.
A Liga já está na frente do Brasil em média de público. Isso mostra o interesse do público americano pelo futebol, um país que é a maior potência econômica e apaixonado por esporte.
ANDRÉ ZANOTTA
Diretor técnico do FC Dallas
A Califórnia e a Flórida são Estados de forte influência latina. Como é em outras regiões a adesão ao futebol?
Miami é um mundo à parte, muito latinizada, com presença muito grande de imigrantes. É diferente se você vai para o norte do país, principalmente. Ainda há a cultura fortíssima de outros esportes. O futebol é mais forte na Califórnia, no Texas, onde estou, na Flórida, pela proximidade com a América Latina. No norte, mais frio, o futebol está mais longe das modalidades tradicionais, como futebol americano, basquete, beisebol e hóquei. Por exemplo, mesmo aqui, próximo do México, nossos atletas pouco são abordados quando vão a restaurantes, por exemplo. Não há a atenção da mídia que tem aí para o futebol. Imagino que, mais para o norte, o Messi, por exemplo, passaria mais despercebido na rua. Uma vez, li que o Schumacher vinha passar férias nos EUA porque era quase anônimo, pelo menor interesse na F-1.
Miami é um mundo à parte, muito latinizada, com presença muito grande de imigrantes. É diferente se você vai para o norte do país, principalmente. Ainda há a cultura fortíssima de outros esportes. O futebol é mais forte na Califórnia, no Texas
ANDRÉ ZANOTTA
Diretor técnico do FC Dallas
Você ainda tem chance de enfrentar o Messi nesta temporada?
Já jogamos contra o Inter Miami. E ganhamos. Pelo lado desportivo, óbvio que prefiro enfrentá-los sem o Messi. Porém, eu quero que, para o público, ele venha. Vai ter briga para receber o Messi na MLS. O Inter Miami se beneficiará muito. As equipes da Conferência Leste vão querer esse jogo na sua casa.
O que mostra o viés de negócio com o qual se vê o futebol por aí, não?
Uma história curiosa que fiquei sabendo e mostra como os donos das franquias veem muito o negócio, não só o lado desportivo. Uma equipe receberia o LA Galaxy, só que na partida anterior, o Beckham recebeu cartão amarelo e acabou suspenso. O dono do clube anfitrião ligou para o diretor de futebol dele: "Não tem como apelar e tirar esse cartão do Beckham?". O diretor respondeu: "Apelar como, se ele é do outro time?". O dono retrucou: "Para nós, é muito ruim que ele não venha". Isso serve de exemplo para ver como é a mentalidade aqui. A parte desportiva não importa muito.
Você percebe uma euforia com a iminente estreia do Messi?
Existe uma ansiedade, uma curiosidade em ver um jogador deste tamanho. O Messi é muito fora da curva. O que ele representa para o futebol gera esse barulho. Por ser ele, mexeu até com o meu lado aqui. Estava negociando um jogador argentino, para o meu time B. O negócio ia e voltava, o atleta não estava certo de vir, resistia em sair da Argentina. Quando anunciaram o Messi no Inter Miami, na hora esse garoto quis fechar conosco, pela chance de poder jogar contra o Messi. Isso ajudará todos os clubes a atrair jogadores. A possibilidade de estar numa Liga em que Messi participa. motiva. É um glamour a mais.
O modelo de negócio do Messi, com participações nas vendas de pacotes da Apple TV+ e ações do clube, além de ganhos com a Adidas, surpreendeu?
Não sei detalhes do acordo, só o que li na imprensa. Surpreendeu um pouco, sim. Foi uma briga gigante, o Messi tinha outros mercados, caso da Arábia, que inflacionou o futebol. O que podem pagar ninguém pode no mundo. Para ter Messi aqui, a MLS e o Inter Miami buscaram alternativas para cativar um Messi que já é milionário. Faz parte do jogo. O contrato com a Apple TV+ entrou em vigor neste ano. Os jogos vão para mais de 100 países. Para a Apple será excelente, aumentará a venda de pacotes.
Como os americanos classificam essa chegada de Messi ao futebol do país?
Eles comparam com a chegada do Pelé, em 1975. Falaram muito disso aqui. São três marcos no futebol dos EUA: o primeiro, a vinda do Pelé para o Cosmos; o segundo, a vinda do Beckham, para o LA Galaxy, pela mudança da regra de contratações da MLS, pelo fato de o Beckham ter sido a primeira estrela de marketing a jogar aqui; a terceira, é essa contratação do Messi.
Você chegou ao Dallas no começo de 2019. Nesses quatro anos, o que viu de evolução no futebol dos EUA?
Houve muita evolução. Primeiro, o crescimento na qualidade do produto oferecido, do jogo em si. Cada vez tem mais qualidade porque o investimento é feito. Todo ano tem um clube comprando jogadores por valores recordes. Nós fizemos no Dallas a contratação mais cara da nossa história, do Alan Velasco, argentino do Independiente. O Columbus Crew pagou 12 milhões de euros no Hernandez, do Watford. O Orlando, oito ou nove milhões de euros no Facundo Torres, da seleção uruguaia. Ou seja, mais qualidade gera mais atração, principalmente do europeu.
Você se refere aos clubes europeus?
Tenho muita relação com a Europa, voltei hoje (sexta) de Lisboa. Alemanha e Inglaterra veem especificamente os jogadores sul-americanos que estão aqui. Nossa cultura é muito diferente das dos ingleses e alemães, é mais fácil nos adaptarmos em Portugal, na Itália e na Espanha. Eles veem a MLS como uma etapa, se o sul-americano se adapta aos EUA, pode jogar na Bundesliga e na Premier. Por isso, o mercado europeu passou a olhar para a nossa Liga com mais atenção.
Isso faz com que vendas aconteçam mais também na MLS?
Não teve clube da MLS que vendeu mais do que o Dallas, por exemplo, desde que cheguei aqui. Negociamos, principalmente, norte-americanos. O Chris Richards, zagueiro, foi para o Bayern e hoje está no Crystal Palace. O Gruesso, volante equatoriano, negociamos com a Roma. O Ricardo Pepe vendemos para o Augsburg, foi a maior venda de um jogador local saído da MLS. O Atlanta comprou o Almirón do Lanús e o revendeu ao Newcastle por mais de 20 milhões de euros.
Com esse fluxo, a MLS deixou de ser uma liga apenas que compra veteranos?
Vejo mudança no comportamento dos agentes, principalmente, brasileiros. A MLS é um mercado interessante para jovens. Esse perfil de trazer mais em final de carreira ainda continua, mas menos. Trazer um Messi, um Chielini, um Chicharito ajuda porque trazem bagagem, para ajudar no desenvolvimento da Liga e do próprio jogador jovem local. A MLS tem uma série de regras, é mercado com teto salarial, orçamento definido, limitação de vagas. Mas criou incentivos para trazer jovens abaixo dos 23 anos, que custam muito pouco no orçamento. Por isso, temos jovens aqui. O Brenner veio e já foi vendido para a Udinese. Há o Talles Magno e o Gabriel Pereira no NY City. Há muitos jovens colombianos, equatorianos e argentinos. O Thiago Almada, campeão mundial no Catar, é o nome do momento.