A Lagoa dos Barros, no Litoral Norte, é famosa pelas lendas. Os moradores do entorno contam versões sobre naufrágios de barcos, misteriosa cidade submersa e até possível monstro nas águas. Você já deve ter ouvido também relatos sobre a "noiva fantasma" nas margens da freeway, entre Santo Antônio da Patrulha e Osório. Por trás da lenda, há um caso real.
Em 1940, pouco depois da construção da Estrada Velha (ERS-030), o corpo da estudante de artes Maria Luiza Haüssler foi encontrado na Lagoa dos Barros. O ponto ficava próximo da antiga usina Açúcar Gaúcho S/A (Agasa). Naquele trecho, ao lado da lagoa, foi construída a freeway na década de 1970. Com base nas reportagens do jornal Diário de Notícias na época, reproduzo a história de amor que virou um crime de grande repercussão no Rio Grande do Sul.
O crime
A adolescente Maria Luiza Haüssler, 17 anos, namorou por dois anos o jovem Heinz Werner João Schmelling, 19 anos. Importante: eles não eram noivos. Em 17 de agosto de 1940, acompanhada da prima Irma Nygaard, Maria Luiza partiu para um baile sábado à noite. Chegando ao local da festa, a Sociedade Germânia, no bairro Moinhos de Vento, as duas encontraram Heinz e o amigo Paulo Fayet.
Por volta das 3h da madrugada de domingo, sem localizar Maria Luiza e Heinz, a prima voltou sozinha para casa. A família de Lizinha, como era chamada pelos íntimos, morava na Rua Dona Laura. Na manhã de domingo, o desaparecimento foi registrado na polícia. Num primeiro momento, o repórter do jornal fez pouco caso, acreditando ser mais um casal que desaparecera para namorar.
De noite, a polícia foi informada da localização do Ford V-8 no bairro Belém Velho. Heinz Schmelling estava dentro de um armazém, portando um revólver. A polícia descobriu que o jovem apresentava ferimento no peito provocado por arma de fogo.
Levado ao Hospital Alemão (Hospital Moinhos de Vento), o namorado apresentaria versões contraditórias sobre o desaparecimento do casal. Na tarde de terça-feira, dois dias depois da internação, aceitou falar, justificando que temia ser acusado do assassinato de Lizinha. Em um papel, indicou o local aproximado para localização do corpo da adolescente.
Em Santo Antônio da Patrulha, às margens da Lagoa dos Barros, o inspetor de polícia Cabral localizou parte do colar de Maria Luiza. Com a pista, dois moradores da região entraram na água na manhã da quarta-feira, dia 21 de agosto. Não demoraram para encontrar o corpo. Amarrado a tijolos por arame, o cadáver estava submerso.
A autopsia apontou que a adolescente fora morta com tiro no coração. De acordo com a notícia, "legistas constataram a pureza de Maria Luiza e a inexistência de vestígios de qualquer violência sexual". O tijolo preso ao pescoço apresentava a marca JD, da olaria de Joaquim Difini, de Porto Alegre. O material foi levado, provavelmente, de obra na Rua Bordini, esquina com Rua Marquês do Pombal.
A saída de Porto Alegre para a estrada rumo à Osório era feita pela Avenida Assis Brasil. Na ida e na volta, Schmelling parou para abastecer gasolina em posto no bairro Passo D´Areia. O frentista relatou que o condutor estava sozinho, muito nervoso na primeira passagem. Com a informação, a polícia concluiu que Maria Luiza fora morta em Porto Alegre, na Rua Casemiro de Abreu.
O delegado Carlos Armando Gadret comandou a investigação. Colocada entre as testemunhas, a prima Irma contou que em outra festa, realizada no início de agosto de 1940, Maria Luiza entregou a Heinz uma carta que rompia o namoro. Ele não aceitou o fim do relacionamento.
Depoimento no hospital
Em depoimento ao juiz Hormino Silveira, no quarto do hospital, Heinz apresentou sua versão para o caso. Só admitiu a ocultação do cadáver, jogado no fundo da lagoa. Sobre a morte, alegou que a própria vítima fizera o disparo.
Heinz falou que, no baile, Maria Luiza pediu para dar uma volta, porque queria esclarecer um assunto. Ele disse que ela chorava, lamentando oposição dos pais ao casamento. Durante a viagem na estrada rumo ao Litoral, parou o carro. Ele queria ter relação sexual, mas alega que, antes de colocar o plano em prática, foi atingido pelo revólver que estava nas mãos da adolescente. Neste momento, tentou tirar a arma, que disparou e matou a namorada. Em algumas fontes, vocês encontrarão referência a suposto suicídio da jovem.
Condenação
A versão de Schmelling não convenceu. A perícia apontou resíduos de pólvora apenas na mão dele. O jovem sempre negou o assassinato, mas acabou condenado.
De acordo com o Memorial do Judiciário do Rio Grande do Sul, o réu foi condenado, em 28 de março de 1944, pelo Juiz de Direito da 5ª Vara de Porto Alegre, a cumprir 12 anos de reclusão pelo assassinato de Maria luiza.
O jovem estava preso preventivamente desde 1940 e cumpriu a pena até o dia 26 de novembro de 1946, quando recebeu deferimento para o pedido de livramento condicional para trabalhar no estado do Rio de Janeiro.
Ciúmes
Dias antes do assassinato, Maria Luiza escreveu em seu diário pessoal, a lápis e em alemão, que o namorado era ciumento e possessivo. O material faz parte do acervo do processo judicial, guardado no Memorial do Judiciário do Rio Grande do Sul: "ao falarmos de ciúmes, disse-me ele ser muito, muito ciumento, mesmo quando não mostrasse. Aparentemente, ficava calmo, mas interiormente tornava-se furioso e seria capaz de cometer por causa de ciúmes uma grande loucura."
Em reportagem do Diário de Notícias de 22 de agosto de 1940, é citada uma crise de ciúmes de Schmelling depois de Maria Luiza dançar com Paulo Fayet no baile na Sociedade Germânia. O amigo relatou que fora abordado rudemente por Heinz. Fayet alegou ter a informação que os dois já não eram mais namorados.
Laudos descobertos
Em 2019, o Instituto-Geral de Perícias (IGP) apresentou cópias dos 10 laudos periciais referentes à morte de Maria Luiza Haüssler. O material foi localizado por acaso, prestes a ser destruído. Entre os documentos está a necropsia, que apontou um tiro no lado esquerdo do peito como a causa da morte. Outros laudos comprovam que no carro usado por Heinz havia vestígios de sangue.