Depois de quase oito décadas com paradeiro desconhecido, as cópias dos 10 laudos periciais referentes à morte da estudante de Artes Maria Luiza Haüssler, caso que deu origem à lenda da Noiva Fantasma da Lagoa dos Barros, no Litoral Norte, foram encontrados por acaso, quando estavam prestes a serem destruídos. A descoberta foi divulgada ao público na noite desta segunda-feira (30), no Palácio Piratini, em evento comemorativo aos 22 anos do Instituto-Geral de Perícias (IGP).
No final do ano passado, os arquivistas Jussara Gabbi e Cristiano Leon separavam e classificavam documentos que fazem parte do acervo do Departamento de Criminalística quando depararam com um pacote amarelado, aparentando ser muito antigo. Ele foi separado e deixado para avaliação.
— Como estava destinado à eliminação, nossa ideia era retomar o material e retirar documentos que contam a história da instituição, antes de destruir todos os papéis. Quando abrimos e vimos que eram as cópias dos laudos do caso, descobrimos esta história fantástica — revelou Leon.
Segundo Jussara, os arquivistas imaginavam que o pacote continha laudos de diferentes casos da década de 1940. Mas, quando abriram, constataram se tratar das cópias de todos os documentos de um mesmo crime, encadernados em dois volumes. Inclusive, recortes de jornais da época. Todo o material encontrado deverá ser reservado até a criação de um possível memorial do IGP, junto com outros casos conhecidos.
— Um grande achado! Por enquanto, são os documentos mais antigos que encontramos, mas ainda temos muito material para averiguar — contou Jussara.
A morte de Maria Luiza ganhou as manchetes dos jornais da época por se tratar de uma adolescente de família tradicional alemã. Então com 17 anos, ela namorava Heinz Werner João Schmelling, 19 anos. Os dois estavam em vias de se separarem quando o crime ocorreu, em 17 de agosto de 1940.
Naquela noite, Maria Luíza foi com uma prima ao baile de gala da Sociedade Germânia, na Capital. Era a festa da escolha da rainha dos estudantes e ela dançou com vários jovens. A um deles confidenciou estar prestes a terminar o namoro de três anos com Heinz, integrante de um grupo de motoqueiros e considerado uma má influência pelos pais dela.
Heinz também estava na festa e, depois de observar Maria Luiza dançando com outros rapazes, a convidou para dar uma volta. Os dois saíram no carro do padrasto do jovem e foram até o então Morro do Mont'Serrat, na Rua Casemiro de Abreu. No dia seguinte, Heinz foi encontrado ferido com tiro de raspão próximo ao coração, no bairro Belém Velho, e encaminhado à cirurgia. Ela jamais voltou a ser vista.
Pressionado pela polícia, o rapaz confessou ter ocultado o cadáver da namorada na Lagoa dos Barros, na estrada Porto Alegre-Tramandaí, hoje a BR-290, próximo à usina Açúcar Gaúcho S/A (Agasa). Aos policiais, disse que a namorada havia tentando matá-lo e, desesperada, na sequência cometeu suicídio. Apavorado, ele teria decidido se desfazer do cadáver. Mas o corpo de Maria Luiza foi encontrado quatro dias depois, nas margens da lagoa, com os pés amarrados pelo próprio casaco e um arame amarrado no pescoço junto com tijolos.
Entre os documentos encontrados pelos arquivistas está a necropsia da adolescente, que aponta um tiro no lado esquerdo do peito como a causa da morte. Outros laudos comprovam que no carro usado por Heinz havia vestígios de sangue e ele entrou na lagoa para deixar o corpo da namorada. No depoimento, ele afirmou ter ocorrido uma discussão no morro e foram brigando a caminho da praia. Heinz afirmou ter pedido à Maria Luiza para ter relações sexuais com ela, o que lhe foi negado. "Mas eu disse que eu tinha este direito porque eu tinha direito sobre o corpo dela", alegou aos policiais. Próximo à lagoa, a namorada o teria alvejado, para logo em seguida cometer suicídio. Os investigadores confirmaram que o rapaz havia passado sozinho de carro num posto de gasolina no bairro Passo da Areia, em direção ao litoral. Ou seja, a moça já estava morta. Heinz foi acusado de rapto, estupro e homicídio.
Condenado a 12 anos, acabou solto depois de cumprir metade da pena. Ele e toda a família se mudaram para o Rio de Janeiro. Heinz morreu em 1971, em São Paulo, negando a autoria do crime.
Dias antes do assassinato, Maria Luiza escreveu em seu diário pessoal, a lápis e em alemão, que o namorado era ciumento e possessivo. O material faz parte do acervo do processo judicial, guardado no Memorial do Judiciário do Rio Grande do Sul: "ao falarmos de ciúmes, disse-me ele ser muito, muito ciumento, mesmo quando não mostrasse. Aparentemente, ficava calmo, mas interiormente tornava-se furioso e seria capaz de cometer por causa de ciúmes uma grande loucura. Então, começamos a conversar sobre brigas e à minha pergunta disse-me ele que haveria somente dois motivos por causa dos quais brigaria comigo. E, baixinho e pausadamente, ele me disse: 'se tu tivesses um outro'. E ainda mais baixinho: 'se tu não aceitasse o meu amor' ".
A história da morte de Maria Luiza se tornou lenda no Rio Grande do Sul. Muitos caminhoneiros garantem avistar uma jovem vestida de branco às margens da BR-290, na região entre Santo Antônio da Patrulha e Osório.