Foi difícil assistir até o fim ao vídeo da audiência sobre o caso de violência e estupro relatado pela jovem Mariana Ferrer. Difícil e doloroso, em especial para uma mulher. Caso você ainda não tenha se deparado com ele pelas redes sociais, trata-se de um julgamento em que todos os demais presentes são homens e assistem à crucificação paulatina de uma jovem que relata ter sido vítima de violência sexual enquanto estava inconsciente.
O advogado, tal como um predador animal desprovido de respeito, crítica fotos da jovem disponíveis na internet, classificando-as como ginecológicas e insinuando que ela merece, sim, receber um tratamento condizente com as imagens. Ela se defende: "estou de roupa".
Ele ignora e segue achincalhando a vítima. Dá graças a Deus por não ter uma filha “no nível” de Mari.
Eu senti um embrulho no estômago e vontade de chorar. Ela chorou. "Excelentíssimo, eu estou implorando por respeito". O juiz e o promotor tampouco se compadeceram. Houve quem oferecesse, em vez de respeito ou tratamento digno, um copo d’água. Em pleno ano de 2020.
As imagens chocam pela brutalidade, mas tristemente são mais comuns do que pode imaginar o patriarcado brasileiro. Diariamente, mulheres são expostas a situações vexatórias, humilhadas pela roupa que vestem, violentadas por passarem batom ou usarem saia, assassinadas por não concordarem em permanecer em um relacionamento abusivo.
No ambiente público, Luiza Brunet levou uma bofetada de um dos homens mais ricos do Brasil. Pense em tantas outras que não tiveram forças para denunciar. Ou não tiveram tempo, porque foram mortas antes por seus amorosos companheiros.
No Espírito Santo, uma menina de dez anos foi tantas vezes estuprada pelo tio, dentro de sua própria casa, que acabou engravidando. Ela não tinha posições ginecológicas, nem vestia roupas consideradas pelo senhor advogado como "provocativas". Era uma criança.
No Rio Grande do Sul, uma jovem foi esfaqueada e sangrou até morrer porque o ex-companheiro não entendeu que o relacionamento tinha acabado. Era estudante e cheia de sonhos. A mãe correu para socorrê-la, mas quando chegou no portão de casa, já encontra a filha morta.
Na Itália, um jogador de futebol enfiou seu pênis na boca de uma mulher inconsciente e chegou a ser celebrado como grande contratação de um clube de futebol. Que mundo é esse? Quando é que passamos a nos acostumar com a barbárie? Em que momento paramos de chamar as coisas pelo que elas realmente são?
Se é estupro, tem que ser condenado. A culpa não é das fotos internet! Muito menos da roupa que ela estava vestindo!
O glorioso advogado também repreendeu o choro de Mariana, na audiência: "não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo". Dissimulado é o profissional que tenta impor à conduta da vítima a culpa por uma violência que ela relata ter sofrido. Dissimulada é a Justiça que entende esse comportamento em uma audiência como normal. Não existe estupro culposo. A culpa não é da vítima.