Leitores de David Coimbra, penso eu, não assistem ao Big Brother. Como sou uma das jornalistas que estão substituindo este nobre colunista enquanto ele está em férias, eu explico. Sem problemas. Existe um programa televisivo em que seres humanos ficam confinados em uma casa e sem contato algum com o mundo externo. A cada semana, um participante é eliminado por decisão do público. Vence quem conseguir permanecer mais tempo por lá. No Brasil, a Rede Globo de Televisão comprou os direitos da atração e transmite, a cada verão, uma nova edição do reality. Goste-se ou não, a cota de patrocínio do programa custa em torno de R$ 42 milhões. Cada.
Comecei falando da atração porque a edição atual reacendeu um debate com repercussão nas redes (sempre elas) sociais acerca de homens e mulheres e o tal do feminismo. Reclamou, dia desses, um integrante da competição sobre as jovens da vigésima edição comandada por Tiago Leifert:
Não é preciso uma leitura aprofundada sobre a sociedade para imaginar a reação de espectadores e não espectadores sobre um comentário desses. Mas quero falar, aqui como uma feminista, sobre o quanto incomoda o avanço desta discussão sobre direitos iguais. E não se preocupe, o intuito é realmente esse. A discussão deve e precisa incomodar.
Neste momento, meu amigo David Coimbra deve estar buscando o primeiro voo de Boston a Porto Alegre no computador, pensando em voltar de férias imediatamente. Penso eu que alguém deve ter compartilhado com ele o link de GaúchaZH, contando sobre o texto - Jesus amado! - feminista. Eu digo: calma, David. Meu texto por aqui é só hoje. E prometo que tomaremos um chope cremoso quando tu voltares. Eu pago.
Retornemos ao feminismo.
A necessidade de revisitarmos o debate sobre direitos das mulheres e o devido respeito por parte dos homens explode todos os dias em nossa cara. Tapar os olhos a essa realidade é muito triste e, na minha visão, configura, no mínimo, prevaricação. Milhares de mulheres seguem presas a relacionamentos abusivos, apanham dos maridos, são mortas em frente aos filhos por ex-companheiros e, pasmem, ainda assim sentem que a culpa é delas. Eu não quero aqui demonizar os homens. Não se trata disso. Sou casada e posso assegurar que tentamos, todos os dias, construir um relacionamento em que ambos sejam respeitosos em relação ao outro, a despeito de gênero. Os dois trabalham. As tarefas da casa são divididas. Os dois gostam de futebol.
Mas, querida leitora (leitor, você ainda está aí?), nem sempre os relacionamentos se construíram assim. Ouvi, ainda pequena, que precisava aprender a fazer café para o meu futuro marido e para receber visitas em casa. Agradeço todos os dias à evolução humana que permitiu cápsulas e uma máquina que substituiu, sem qualquer contestação, minha falta de talento. Quem frequenta minha casa ganha café e, se estiver disposto, um copinho de cachaça de banana, presente da minha sogra Nara, que soube que eu era apreciadora da bebida tipicamente brasileira.
Por essa construção histórica e estrutural, o machismo se tornou parte da nossa cultura, sem que a gente pudesse escolher fazer parte dele ou não. E aqui fala também uma mulher que diariamente tenta desconstruir pensamentos que reforçam o comportamento machista. Com diálogo e disposição para aprender. Aliás, não é exatamente culpa nossa pensar assim. Mas é nossa responsabilidade refletir e, a partir da reflexão, desconstruir esse pensamento. Só assim vamos parar de julgar a mulher que "não arranja marido", a que não quer ter filhos, a que prefere trabalhar do que cuidar de casa.
Nesta semana, foram centenas de comentários com xingamentos e ofensas publicáveis e impublicáveis a partir de reportagem em que uma mulher beijou, durante o júri, o homem que tentou matá-la com cinco tiros - ele foi condenado por isso. A jovem em questão se sentiu tão culpada por uma discussão do casal (ela tinha encontrado mensagens que sugeriam infidelidade) a ponto de entender que tudo bem ele disparar contra ela. Como se merecesse morrer. Afinal, que mulher não merece tomar um tiro, não é mesmo?
Quase ninguém entendeu. Sublinho o quase. Porque pessoas que trabalham com o tema "violência contra a mulher" entenderam. E decifraram parte das razões para o fato que, embora possa parecer "inusitado", é mais comum do que se pensa.
A promotora Andrea Machado, com quem conversei após o episódio, me explicou: "Elas tendem a desculpar o agressor ou assumem a responsabilidade, porque estão inseridas naquele círculo: agressão, perdão, namoro, agressão, perdão... Há casos graves, onde as vítimas chegaram a se opor a mim, pedir que o réu não fosse processado". A psicóloga Júlia Zamora, doutoranda na PUC, em entrevista ao repórter Marcel Hartmann, acrescentou: "Em atendimentos de mulheres que sofreram violência, é comum elas relatarem ter ouvido que não seriam ninguém se fossem divorciadas, ou que os filhos serão prejudicados". E, por isso, acabam reatando. Precisamos falar sobre isso.
O debate é urgente, grave e necessário. Caso contrário, continuaremos apanhando. Continuaremos sendo mortas. Sendo estupradas. Sendo desrespeitadas. Que a gente fale. Nós, homens e mulheres. As feministas. As não feministas. As feministas demais.