A decisão do ministro do STF Marco Aurélio Mello, que soltou o líder de uma das organizações criminosas mais perigosas do Brasil, é antes de mais nada dissonante da realidade. Ao colocar o traficante André do Rap em liberdade, o magistrado ignorou fundamentos básicos que sustentam a manutenção prisão preventiva (antes de uma condenação com trânsito em julgado), colocando em risco a coletividade e a paz social.
O desfecho do julgamento sobre a soltura do traficante André Oliveira Macedo, um dos líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC), deve ser decidido nesta quarta-feira (14).
Sim, o ministro pode encontrar subterfúgios jurídicos para justificar seu movimento e assim o fez, ao dizer que apenas cumpriu o artigo 316 do Código de Processo Penal. Contudo, se vale a máxima de que "processo não tem capa, tem conteúdo", faria bem à sociedade que o gabinete de Marco Aurélio tivesse atentado ao conteúdo do processo e não ignorado a "altíssima periculosidade" apontada pelas autoridades policiais e pelo Ministério Público.
- É o maior atacadista de cocaína do país - apontou Fabio Pinheiro Lopes, delegado e diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa em São Paulo.
O tema ganhou as manchetes país afora, em especial depois que o criminoso aproveitou-se da decisão do STF para fazer aquilo que qualquer estudante secundarista poderia sugerir, sem mesmo conhecer a fundo a matéria penal: desapareceu. E mais: outros criminosos agora requerem o mesmo entendimento para que possam usufruir de liberdade, alegando que suas prisões também não foram revisadas, conforme prevê o 316.
É fato que prisões preventivas não podem configurar antecipação da pena, ainda mais em um país cuja lentidão judicial penaliza principalmente os mais pobres, que sequer tem condições de recorrer a instâncias superiores. Portanto, não adianta crucificar a lei que nasceu com méritos. No episódio citado, bastaria ao magistrado que se atentasse à gravidade dos crimes cometidos pelo preso, e ao princípio de proteção da sociedade que, sim, sai em desvantagem com a soltura de um dos traficantes mais perigosos do Brasil.
A Justiça deveria ter revisado a prisão? Aponte-se o erro. Cobre as autoridades responsáveis. Mas não exponha (ainda mais) milhões de brasileiros ao bel prazer de criminosos. E se fosse um estuprador? Ou um assassino em série? Se presumíssemos que a questão era automática - sem a observância (volto a dizer) do conteúdo do processo -, bastaria que uma máquina saísse a despachar habeas corpus país afora e o resultado, bem, não é preciso dizer.
Perdemos todos com uma decisão desastrada como essa. E o STF, tão importante para assegurar a manutenção de nossa democracia, acaba alimentando o sonho irresponsável daqueles que insistem em atacá-lo. Uma pena.