Passamos de 13 mil mortes por coronavírus no Brasil, mas ainda assim o noticiário político insiste em se sobrepor a uma pandemia devastadora. Na manhã desta quinta-feira (14), não foi diferente. O Diário Oficial da União trouxe publicada a Medida Provisória assinada pelo presidente da República que blinda agentes públicos de responsabilização por "ação e omissão" no combate à covid-19. Diz o texto, assinado também pelos ministros Paulo Guedes, da Economia, e Wagner de Campos Rosário, da Controladoria-Geral da União.
"Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de combate ao coronavírus”.
O documento esclarece ainda a definição de erro grosseiro, para efeitos de responsabilização: "manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia". Um raciocínio desprovido de profundidade apontaria que o presidente legisla em causa própria. E aqui não estamos falando de troca na Polícia Federal, tá OK?
O fato é que a Medida Provisória, caro leitor, mais uma vez tira o foco daquele que deveria ser o nosso ponto central de preocupação, em meio a uma doença de ordem global: as pessoas. Diariamente, centenas de brasileiros e brasileiras enterram filhos, pais, avôs e avós, sem sequer ter a chance de se despedir porque o caixão precisa estar lacrado. Pense na dor dessas famílias, presidente. Se o senhor tem apreço pela segurança dos seus filhos, como alega, imagine só não poder sequer dar adeus a um familiar.
O desespero - e a desinformação, também - é tão grande que uma família de Cairu, na Bahia, simplesmente descumpriu a ordem posta pelas autoridades e resolveu abrir o caixão lacrado, durante o velório. Resultado, além da dor da perda: outras cinco pessoas testaram positivo para o coronavírus.
Pense, presidente, naquelas pessoas que perderam a renda e que, por alguma razão, ainda não conseguiram ter acesso ao benefício emergencial que seu governo corretamente disponibilizou para os mais vulneráveis. Como explicar a uma criança que não há o que comer? Imagine quantas mulheres vítimas de violência doméstica tiveram sua dor multiplicada porque passaram a conviver ainda mais de perto com o agressor durante a quarentena. E se o debate pender para o lado econômico, imagine milhares de empreendedores que viram sonhos e esperança despencarem a partir do fechamento de seus pequenos negócios durante a crise. Reflita sobre aqueles que ainda perderão seus empregos.
É redundante dizer que precisamos de lucidez e responsabilidade neste momento. Mas a surrealidade dos episódio diários envolvendo o Palácio do Planalto não nos dá escapatória. Gestores públicos, sim, são responsáveis. E, por dever Constitucional, não deveriam ser omissos sob nenhuma circunstância.