Uma vinícola de Três de Maio, no Alto Uruguai, lançou nesta semana, em uma das mais badaladas feiras do segmento - a ProWine, em São Paulo - uma novidade tecnológica turbinada pelo avanço das redes neurais: o primeiro vinho brasileiro 100% elaborado com inteligência artificial (IA), da composição ao rótulo.
Além do produto, que já está à venda na internet, a Casa Tertúlia apresentou o sistema de algoritmos desenvolvido na empresa. Com registro de patente no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, a ferramenta funciona como uma espécie de "sommelier virtual" de altíssima precisão, combinando análise de dados com conhecimento tradicional em enologia.
A ideia partiu do engenheiro Gabriel Hilgert, filho dos fundadores, em 2017, quando ele trabalhava com IA no Zimmer Lab - o laboratório do professor Eduardo Zimmer, da UFRGS, premiado internacionalmente pela pesquisa de ponta envolvendo a doença de Alzheimer.
— Desde então, meu filho vinha pensando em aplicar inteligência artificial na vinícola e, durante a pandemia, a ideia avançou — conta Leodir Hilgert, que toca a Casa Tertúlia junto de Gabriel, da mulher, Viviane Massi Hilgert, que é enóloga, e da filha, Jéssica Hilgert, filósofa e sommelière.
Gabriel reuniu milhares de dados de concursos internacionais do setor, com as notas (dadas por sommeliers) e a composição físico-química de vinhos do mundo todo, incluindo os cortes (a mistura das variedades de uva na composição).
A partir daí, ele programou um sistema de algoritmos para detectar padrões e identificar as melhores combinações. Isso se chama "aprendizado de máquina" (o tal "machine learning", que você já deve ter ouvido por aí).
Para validar a tecnologia, a família testou sua própria bebida e obteve boas notas da IA. Depois, enviou as garrafas para competições, que tiveram resultados muito similares (inclusive com medalha de ouro), confirmando o rigor científico do "sommelier virtual".
— Tudo isso partiu de uma única pergunta: afinal, o que faz um vinho ser realmente bom? Eu queria encontrar uma resposta objetiva, matemática. Consegui — diz Gabriel, consciente de estar inovando em um setor reconhecido pelo apego à tradição.
O vinho IA
A partir daí, a vinícola decidiu usar a ferramenta virtual para "fazer o melhor vinho", com receita indicada pelo próprio sistema. A Casa Tertúlia tem 2 hectares de vinhedos em Três de Maio e complementa a produção com uvas de parceiros seletos, na Serra e na Campanha.
Foi assim que nasceu o IA. Elaborado a partir das cepas Marselan, Merlot, Teroldego e Cabernet Sauvignon, o vinho (cujo rótulo também foi criado com o uso de inteligência artificial) chamou a atenção em São Paulo.
— Estávamos um pouco ansiosos, mas fomos muito bem recebidos. Mostramos uma nova tecnologia, gaúcha e brasileira, que tem potencial revolucionário e, ao mesmo tempo, respeita a tradição — destaca Jéssica.
O lançamento também tem potencial para ajudar a alavancar o enoturismo em uma região ainda pouco conhecida pela produção vitivinícola, embora o vinho tenha chegado ao Rio Grande do Sul pelas mãos dos jesuítas, na Região Missioneira, contígua ao Alto Uruguai.