Quando Odete Bettú Lazzari era criança, no interior de Garibaldi, as mulheres costumavam preparar uma fornada de pães nas manhãs de sábado. Com os retalhos que sobravam da massa, elas esculpiam pombinhas artesanais (chamadas de “colombinas”) para os pequenos. Passada de geração em geração, a tradição seria reproduzida por Odete anos depois, para suas próprias filhas. Hoje, a iguaria é a marca de um dos restaurantes mais autênticos na serra gaúcha: a Osteria della Colombina, comandada pela cozinheira.
Fazia tempo que eu queria ir até o local ver de perto o que os amigos me contavam encantados: não é só a comida, o lugar é especial. Estive lá no último domingo. Fui recebida como se chegasse para almoçar na casa da avó, ou melhor, da nona.
Dona Odete é uma senhora sorridente, que transmite bondade no olhar. Quem vê, não acredita nos desafios que ela enfrentou. Em 1997, o marido infartou e morreu com apenas 47 anos, em plena safra de uva. Ela precisou assumir o comando do lar e garantir o sustento de suas quatro meninas: Raquel, Rosângela, Roselaine e Raísa.
Por pouco não desistiu da vida no campo. Chegou a vender as vacas e a arrendar o parreiral, até que, certo dia, ouviu no rádio local a notícia sobre a criação de um roteiro turístico no município — a Estrada do Sabor. “Vou atrás”, pensou. E foi.
Com a ajuda do Sebrae, Odete fez uma série de cursos por dois anos e, em 2001, abriu as portas do restaurante no antigo porão da residência. O espaço recebeu mesas, bancos e decoração rústica, com peças que contam a história da propriedade (ligada à família desde 1883). Deu tão certo, que as filhas saíram para estudar, voltaram e hoje ajudam a tocar a osteria — Raísa gerencia a casa, Rosângela cuida da produção de vinho e da plantação orgânica e biodinâmica, Raquel auxilia a mãe no fogão e Roselaine faz a rotulagem dos produtos comercializados no local (compotas de frutas e doces típicos).
Tudo isso, de certa forma, está impresso nas paredes de pedra, no piso de chão batido e em cada prato servido. O almoço é sempre o mesmo, como antigamente: polenta brustolada (na chapa), embutidos fatiados, sopa de capeletti, carne lessa (cozida em água), salada verde com hortaliças e frutas da estação (com certificação orgânica e biodinâmica), nhoque com salaminho defumado, galinha rostida (frita na banha), polenta mole e sobremesa. O café e o licor (artesanal, claro) são por conta da chef.
Ao final, Odete sai da cozinha e repete o que já virou um ritual: passa de mesa em mesa para agradecer a visita, conversar e entregar uma de suas colombinas, como se dissesse:
— Você já é da família!
Dona Odete
Como já deu para perceber no texto acima, ela é “A” atração do lugar, assim mesmo, com “A” maiúsculo. Se for até lá, se programe para ir com tempo, para estender a conversa com a chef Odete Bettú Lazzari ao final do almoço. É uma lição de vida.
Chão batido
De cara, me chamou a atenção: o velho porão continua com o mesmo piso de chão batido desde a fundação da casa, em 1967. É onde é servido o almoço, mantendo a tradição da família. Quantas histórias já não passaram por ali...
Nada é fake
Tudo na decoração conta com peças originais da família. Raísa, uma das filhas de Odete, me mostrou a colher de pau com a qual, até pouco tempo, a cozinheira mexia a polenta: está lá, à mostra, com as marcas de uso, como um troféu.
Pátio sem grades
Sim, também têm mesas no pátio, que é todo gramado, cheio de árvores e flores. E o mais legal: sem cerca, grades ou muro. Ao final do almoço, o restaurante oferece panos para quem quiser deitar na grama e tirar um cochilo. Ideal de vida.
Sem "raio gourmetizador"
Ali, o “raio gourmetizador” passa longe (ainda bem!). O menu é inspirado nos almoços de domingo das nonas da região, sem invencionices. O prato que mais gostei foi o tradicional nhoque com três tipos de queijo e salaminho defumado feito na casa. Na minha família, que é de origem alemã, chamamos nhoque de “clês” ou “clessia”. Lambi os beiços!
Serviço
A Osteria della Colombina fica na Estrada do Sabor, em Linha São Jorge (veja aqui a localização), no interior de Garibaldi, e só funciona com reservas (serve almoços aos sábados, domingos e feriados).
Você encontra todas as informações em @osteriadellacolombina (no Instagram) ou pelo WhatsApp (54) 99121-1040.
Preço do almoço: R$175 por pessoa (bebidas são à parte). Não aceita cartão, só pix, transferência bancária ou dinheiro.
Crianças têm valores diferenciados, conforme suas idades (peça os detalhes para o restaurante).
Para confirmar reserva, a osteria pede caução de 50% do valor total, a combinar. O valor da caução é devolvido com cancelamento até 48h antes da reserva.
Cardápio detalhado dos almoços
- Polenta brustolada com queijo e embutidos fatiados
- Sopa de capeletti em brôdo
- Pão colonial
- Carne lessa
- Saladas verdes orgânicas e biodinâmicas com frutas da estação
- Nhoque à três queijos com salaminho defumado (também com opção vegetariana)
- Galinha rostida com polpa de tomate fresco, orgânico e biodinâmico
- Polenta de farinha milho orgânica e queijo parmesão
- Sobremesas da casa (quando fui, tinha sorvete de uva artesanal e pudim)
- Café, licores e frutas da época