A commodity mais disputada hoje no meio digital (e na vida real) é a nossa atenção. Entre tanta (des)informação, barulho e gritaria, é isso o que está em disputa. É o novo petróleo.
O mundo virou um lugar barulhento demais em todos os sentidos. O bom e velho silêncio, do “você consigo mesmo”, saiu de moda. Calar virou sinônimo de apagamento. É a morte em vida. Não dar opinião? Imagina!
Como escreveu Nelson Motta em uma de suas crônicas geniais, nós estamos falando demais. Poucos conseguem ficar quietos. Na era da onipresença (vide Facebook, Instagram e Tiktok), todos se tornaram potenciais “criadores de conteúdo” e influenciadores de tudo (e de nada) nas redes antissociais.
As pessoas desejam curtidas e novos seguidores a todo custo. Querem ter voz e ser ouvidas. Só que ninguém mais tem paciência nem tempo para escutar. Ou então estamos tão distraídos rolando a tela do celular que não percebemos o mundo ao redor como antes.
Até as músicas viraram um gritedo sem fim, sem modulação. O silêncio, além de démodé, se tornou incômodo.
Como ficar só, a ponto de “ouvir” apenas os próprios pensamentos? Para nossos avós e bisavós, isso era parte da jornada, era algo natural. Nos tempos atuais, não é bem assim.
Em Minnesota, nos Estados Unidos, a Orfield Labs criou uma câmara anecoica (livre de eco) que chegou a ganhar fama como “lugar mais silencioso do mundo”, segundo o Guinness Book, Livro dos Recordes.
De acordo com uma reportagem da BBC, a sala absorve 99,99% do som, o que significa que, lá dentro, você pode ouvir seu coração bater, seus pulmões respirarem e até seu estômago digerir o café da manhã. Bizarro.
Você pode, inclusive, escutar o piscar dos olhos e o ranger das articulações. Caity Weaver, repórter da New York Times Magazine, relatou ter captado o sangue se movendo nas veias.
Qual o sentido disso?
O local é usado por empresas para testar os níveis sonoros de produtos, como máquinas de lavar, geladeiras e até motocicletas (caso da Harley-Davidson). É a ciência do silêncio a serviço da indústria.
Para humanos, é desorientador. A tal sala (uma caixa escura fechada) é tão isolada que os ruídos de fundo são medidos em decibéis negativos, ou seja, abaixo da nossa capacidade de audição. Devido à privação sensorial, as pessoas dificilmente conseguem ficar ali por mais de 45 minutos. Elas acabam desorientadas.
O silêncio pode até ser opressivo, mas na dose certa, tem poder transformador. Às vezes, ficar calado é a melhor resposta.
Executivos bem sucedidos, como Tim Cook, CEO da Apple, e Jeff Bezos, fundador da Amazon, adotam a “regra do silêncio incômodo”. Quando são confrontados por perguntas complexas, jamais respondem imediatamente. Fazem longa pausa. Deixam o silêncio agir, desconcertam o interlocutor e, em geral, saem ganhando.
Falar demais é falar para as paredes. O mundo precisa é de sossego, como já dizia Tim Maia. Um minuto de silêncio, por favor.
Até São Pedro pede moderação
A imagem que você vê no topo desta página está preservada no Museo Nazionale di San Marco, onde ficava um antigo convento dominicano do século 13, em Florença, na Itália. O local tem um rico acervo de arte sacra do Renascimento, em especial obras de Giovanni da Fiesole.
Ele ficaria conhecido como Beato Angélico (foi beatificado pelo Papa João Paulo II em 1982) ou Fra Angélico (uma referência a frei, em italiano, nesse caso da ordem Angélica).
O pintor religioso viveu entre os séculos 14 e 15 e se caracterizou por criar obras de cores suaves e formas elegantes, a maioria delas nas celas dos monges e nos corredores do velho edifício fiorentino — dá para vê-las ainda hoje.
Entre elas, está o afresco acima, que retrata São Pedro de Verona, mártir dominicano, pedindo silêncio. A obra teria sido concluída por volta de 1445.
Ouvidos abertos para a boa música
Para quem se preocupa com a qualidade do som que ouve, a volta do Encouraçado Butikin, lenda da noite porto-alegrense que viveu seu o auge nas décadas de 1960 e 70, promete amaciar os ouvidos.
Uma das apostas da reabertura, marcada para o dia 9 de outubro, é o Butikin Hi-Fi, primeiro bar de audição da Capital. O espaço ganhou projeto acústico do engenheiro de som Marcos Abreu, para garantir alta fidelidade sonora. A ideia é fazer silêncio mesmo, para escutar música de qualidade, o que sempre caracterizou o bar, ponto de encontro da elite política, empresarial, intelectual e artística.
Falando em arte, até os convites para as festas revelavam bom gosto. Ao lado, está uma dessas relíquias, criada pelo artista plástico Vitório Gheno em março de 1968 e preservada até hoje por Nádia Raupp Meucci.