O templo da boemia que marcou a vida social de Porto Alegre nas décadas de 1960 e 70 vai reabrir as portas no velho casarão de número 936 da Avenida Independência. Com inauguração prevista para o segundo semestre, o lendário Encouraçado Butikin, por onde passaram nomes como Elis Regina, Vinicius de Moraes, Toquinho, Chico Buarque, Dorival Caymmi e tantas outras estrelas, ganhará uma versão contemporânea.
Com o famoso logo da sereia desenhado por Ziraldo reinventado (veja abaixo), o Encouraçado Hall nasce do sonho de três amigos: o fotógrafo e empresários Eduardo Alvares Filho, de Porto Alegre, e o casal Ricardo Niemiec Teixeira, oftalmologista, amigo de infância de Eduardo, e Sofia Refinetti Teixeira, psicóloga e empresária, ambos de Bagé.
Eduardo tem uma ligação familiar com a histórica casa noturna: é filho de Dudu Alvares, o “rei da noite”, que comandou o espaço a partir de 1981, após a morte de Rui Sommer, fundador da casa. À época, o lugar passou a se chamar Encouraçado 936 (leia mais detalhes abaixo).
— Sou de 1976 e vivi tudo isso muito de perto. O Encouraçado era o escritório do meu pai. É muito legal poder retomar essa história. Ele também está muito feliz com isso. Tem 77 anos e já disse que quer voltar lá algumas noites — conta Eduardo.
A ideia é oferecer à Capital um lugar onde o público mais maduro possa curtir boa música, em um ambiente bacana, com qualidade, personalidade e história — vem bem, até Richard Gere, de Uma Linda Mulher, passou por lá...
O Encouraçado Hall terá capacidade para 300 pessoas, em ambientes diferentes. Haverá palcos para bandas maiores, formações mais intimistas e a baita novidade: um "bar de audição", tendência nas principais capitais do mundo, onde o foco é o som, ouvido e apreciado em silêncio (isso mesmo!).
O projeto arquitetônico terá a assinatura do craque Mario Englert, com identidade visual da turma do Estúdio Telescópio. E tem mais: para marcar a volta do Encouraçado, a jornalista Mariana Bertolucci, que cuidará da comunicação da nova casa, prepara, em parceria com o diretor de arte Rodrigo Gruner e o jornalista Diogo Zanella, os lançamentos de um livro e de um documentário para os 60 anos da casa, em 2025.
Um pouco da história
Ricardo Chaves, o Kadão, colunista de GZH e do Almanaque Gaúcho, de Zero Hora, já contou a trajetória do Encouraçado aqui. Vale repetir.
Na metade da década de 1960, como registrou Kadão, o advogado Rui Sommer (1939-1972) ganhou um bom dinheiro em uma ação judicial e resolveu acatar a sugestão de seu amigo Tatata Pimentel, falecido em 2012, para que abrisse uma casa noturna em Porto Alegre, nos moldes dos clubes privé que eram moda na época.
Foi assim que nasceu o Encouraçado Butikin, uma boate que marcou profundamente a vida social da Capital. Em plena ditadura militar, o nome escolhido, referência ao filme soviético de Serguei Eisenstein, o Encouraçado Potemkin (1925), que relata a revolta dos marinheiros de um navio da armada czarista em 1905, não foi bem digerido pelas autoridades.
Alegando se tratar de material subversivo, a censura mandou retirar um painel fotográfico que decorava o fundo do ambiente com uma cena da famosa película. Apesar disso, a alta sociedade, os ricos e famosos, os VIPs, intelectuais e artistas continuaram desfrutando do espaço de convivência, cultura e lazer.
A logomarca da casa, uma pequena sereia com boina da Marinha Imperial Russa, foi criada pelo cartunista Ziraldo — um luxo só, agora renovado (veja as imagens ao lado).
Não por menos, o endereço (Avenida Independência, 936), passou a ser a meca de quem queria diversão, boa bebida e shows imperdíveis — de grandes artistas nacionais e internacionais.
Após a morte de Sommer, em 1972, o estabelecimento reabriu nos anos 1980, nas mãos de Dudu Alvares, e seguiu até 1990. Fechou e voltou a abrir algumas vezes. No início dos anos 2000, encerrou as atividades definitivamente, deixando um público saudoso e fiel.