Nunca tive uma Barbie.
Fui uma menina de classe média que odiava bonecas. Detesto até hoje. Sempre achei bizarro aqueles pequenos seres loiros inanimados e, mais ainda, o fato de ter de “brincar de maternidade” antes mesmo de ter perdido os dentes de leite.
Para a frustração da minha mãe, que logo se conformou com sua pequena rebelde nascida em junho de 1979, nunca dei atenção às Fofoletes na prateleira (fofas, admito hoje). Os bebês plastificados que porventura alguém me desse de presente eram recebidos com cara de desdém - e iam direto para o fundo da caixa de brinquedos, coitados.
Não, não, nunca quis ter uma Barbie, tampouco ser uma delas.
Eu gostava mesmo era de subir em árvores, de brincar de carrinho e de Playmobil (esses das fotos nesta página, que estão aqui me olhando enquanto escrevo) e de andar de bicicleta na rua, sem camisa, como os meninos. Até o dia em que alguém me contou que aquilo não pegava bem.
Minha lembrança mais tenra da infância é de quando eu andava de cavalinho no meu pai - ele, o cavalo, eu, o cowboy (se havia cowgirls, eu ainda não havia tomado conhecimento). A outra recordação daqueles tempos é da minha mãe lendo histórias do Pato Donald em voz alta na sala, e eu querendo saber se era mágica. Será que algum dia eu também seria capaz daquilo? Ler era um dos grandes mistérios do meu pequeno universo aos 5 anos de idade.
Jamais vi magia alguma em Barbies.
Quando ouvi falar do filme dedicado à boneca da Mattel, dei de ombros, até perceber o frenesi em torno da produção. Filas extensas nas salas de exibição, milhares de comentários nas redes sociais, análises, opiniões e tratados, bilheteria de US$ 344 milhões no primeiro fim de semana após a estreia.
Tive de engolir a Barbie.
Fui ao cinema na última semana (vestindo cinza). Comprei pipoca e refri e consegui a derradeira poltrona livre na sessão das 16h30min (dublada, ainda por cima). Juntei-me a uma legião de mães, amigas, filhas, crianças e adolescentes e a alguns guris perdidos lá no meio. Fazia anos que não via o cinema tão cheio. Isso foi legal - e não só isso.
Eu me rendi à Barbie.
Dei boas risadas. Nunca pensei que um dia fosse escrever isso, mas é um filme inspirador e divertido. Mistura comédia, drama, musical e aventura. Naquele mundo cor-de-rosa demais, o filme fala de feminismo de um jeito soft, leve e interessante.
Entendi que aquela boneca que sempre desdenhei, criada em 1959 e transformada em fenômeno pop, mostrou às garotas que elas poderiam ser o que bem entendessem - afinal, se tem Barbie médica, engenheira e astronauta, por que não seria possível? Nunca alguém me disse que eu não poderia ser o que desejasse e, talvez por isso mesmo, Barbie jamais tenha feito a menor diferença na minha vida. Talvez eu preferisse o Ken, mas, na tela, ele é um cara bobão, perdido no mundo, e que não sabe mais o seu lugar. É, a arte imita a vida…
Fiquei com vontade de ter uma Barbie. Mentira, não fiquei nada, mas valeu a experiência. E, quer saber? É, sim, o filme do ano.