Os ingressos esgotaram-se em menos de 24 horas, e o Theatro São Pedro lotou nos três dias de apresentações que reuniram quatro potências da arte gaúcha: a Companhia de Ópera do Rio Grande do Sul (Cors), a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa), o Coro da Ospa e o Grupo Tholl. Quem disse que o canto operístico "é para poucos" e que "não tem apelo popular"? Ludmilla que se cuide.
Acompanhei, boquiaberta, a derradeira récita de I Pagliacci (Os Palhaços), na noite da última terça-feira (20), em Porto Alegre, e vi o público vibrar com tenores, sopranos e barítonos, se deleitar com a música erudita e estremecer diante da energia da trupe circense de Pelotas, que literalmente brilhou sob os holofotes.
Da plateia baixa ao mezanino, lá em cima, junto ao lustre de cristais, vi gente de todas as idades com os olhos grudados no tablado. Parecia final de novela.
O que explica tamanho interesse? A união de talentos e todos os esforços por trás de um grande espetáculo desse porte, sem dúvida. O valor dos ingressos, a partir de R$ 25, também. Mas houve algo mais: a decisão deliberada de "tirar a ópera do pedestal", que incluiu a projeção de legendas no palco. Simples assim: legendas para que as pessoas pudessem entender o enredo, cantado em italiano.
Ao se apropriar da história criada por Ruggero Leoncavallo no fim do século 19, os espectadores mergulharam na narrativa, genialmente adaptada aos nossos dias por Flávio Leite, a quem coube a concepção e direção cênica da obra.
Deu certo. Todo artista, afinal, tem de ir onde o povo está, já diria Milton Nascimento.
Lembro de uma vez que o maestro e diretor artístico da Ospa, Evandro Matté, contou ter sido procurado por um grupo de cantores líricos com uma ideia fixa: eles queriam, de todo jeito, que ele se comprometesse a realizar ao menos uma grande ópera por ano no Rio Grande do Sul. Seria viável? Alguém com os pés no chão poderia ter dito: "Vocês estão loucos?"
Não sou crítica de arte, não tenho os instrumentais teóricos para tanto, nem sequer me arrisco a avaliar notas, acordes, timbres e vibratos. O que posso dar é um testemunho leigo, de que quem se emociona ao ver um Estado periférico como o nosso, onde é mais difícil fazer e viver da arte, produzir algo tão especial - e tão popular.
Que bom que o maestro aceitou o desafio e que aqueles mesmos "loucos" seguem rompendo barreiras e provando que nada é impossível.