"Uma obra completa". É assim, em poucas palavras, que o maestro Evandro Matté, diretor artístico da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, define I Pagliacci, ópera do italiano Ruggero Leoncavallo que ganha novas montagens em Porto Alegre no sábado (17), domingo (18) e terça-feira (20), no Theatro São Pedro, em uma inédita parceria da Ospa com a Companhia de Ópera do RS (CORS) e o Grupo Tholl (informações sobre horários e ingressos, esgotados em algumas datas, ao final do texto).
Os três grupos compartilham o palco — e o fosso, onde a orquestra estará instalada — para apresentar ao público porto-alegrense uma versão única da obra de Leoncavallo, adaptada ao tempo presente, mas sem deixar de lado os motivos que fizeram dela o maior sucesso do compositor italiano. Dividida em dois atos, a ópera narra a história de uma trupe circense formada por artistas que, fora do picadeiro, vivem em meio a relações abusivas em diferentes níveis. Uma delas é a vivida pelos protagonistas Canio e Nedda.
Durante o primeiro ato, Canio descobre, momentos antes de apresentar-se com a trupe no papel de Pierrô, que Nedda, sua esposa e intérprete de Colombina, é infiel. Enquanto veste a fantasia para o espetáculo que se aproxima, estarrecido com a descoberta, o personagem canta a famosa ária Vesti la Giubba, que diz: "Ridi, pagliaccio, sul tuo amore infranto / Ridi del duol che t'avvelena il cor" ("Ria, palhaço, do teu amor quebrado / Ria da dor que te envenena o coração", em português).
No segundo ato, tomado pela fúria, Canio assassina Nedda e o amante em público, diante da plateia do circo. A cena, uma das mais emblemáticas do repertório operístico histórico, traduz a infeliz atualidade de I Pagliacci, que data de 1892, mas ainda faz sentido em 2023. É o que salienta Flávio Leite, diretor da Companhia de Ópera do RS e responsável pela direção cênica do espetáculo.
— A ópera é um gênero artístico que trata do comportamento humano. Cem ou duzentos anos depois, o ser humano continua sendo o ser humano, e as problemáticas continuam existindo. É triste pensar que a gente ainda tem, em pleno 2023, uma mulher sendo assassinada pelo seu companheiro a cada seis horas no Brasil — reflete Leite.
Nesse sentido, o diretor cênico explica que, ainda que o libreto de Leoncavallo tenha sido preservado integralmente, a montagem que será apresentada em Porto Alegre passa por uma atualização considerada crucial:
— Não há uma única palavra que tenha sido alterada, mas encontramos uma forma de trazer essa história para os dias atuais, principalmente em relação às consequências para o Canio. Pela ópera original, após cometer o assassinato, ele diz que a comédia terminou e fica tudo por isso mesmo. Eu não posso revelar como resolvemos essa questão em cena, mas posso dizer que, em 2023, não é aceitável que o assassinato de uma mulher fique por isso mesmo.
Outro destaque desta montagem de I Pagliacci é o elenco de solistas, que será duplo. Ou seja: cada um dos papéis principais da ópera contará com dois intérpretes, que se revezarão de acordo com as datas das récitas. Nedda será interpretada pela soprano japonesa Eiko Senda e pela soprano italiana Maria Sole Gallevi, enquanto Canio será vivido por Lazlo Bonilla e Giovanni Marquezelli.
Completando o núcleo de personagens principais, Silvio, o amante de Nedda, será interpretado por Carlos Rodriguez e Alex Barbosa; Daniel Germano e Roger Nunes darão vida a Tonio, personagem que é apaixonado pela esposa de Canio; e Beppe, o Arlequim, será vivido por Roger Scarton e Oséas Duarte. Todos integram a Companhia de Ópera do RS.
Os outros personagens da trupe circense representada na ópera, que não são solistas, serão interpretados por artistas do Tholl. O trabalho do grupo pelotense inspira toda a concepção estética da montagem, que utiliza, inclusive, figurinos de espetáculos célebres da companhia, como Cirquin e Imagem e Sonho.
— O Tholl é a nossa inspiração e ao mesmo tempo o nosso homenageado, pois o grupo está completando 20 anos — explica o diretor cênico Flávio Leite. — A encenação desse Pagliacci foi pensada para incorporar o mundo de sonho e lirismo do Tholl, então, eles têm momentos de grande brilho no espetáculo, que tem tudo a ver com eles. Quando pensei nessa ópera, pensei no Tholl.
Já a Ospa participará da montagem de duas formas: por meio da orquestra, que tocará as músicas da ópera, e também de seu coro sinfônico, que representará os habitantes da cidade onde o circo de I Pagliacci se instala. Além de atuar, os 25 coralistas interpretarão peças como Don, din, don, suona vespero, conhecida como Coro dos Sinos, uma das mais famosas da obra de Ruggero Leoncavallo.
Esta, assim como outras peças da ópera, são tidas como verdadeiras preciosidades pelo maestro Evandro Matté, regente da Ospa e diretor musical do espetáculo. I Pagliacci é uma obra-prima do início ao fim, com a qual é impossível não se emocionar, ele garante.
— Não destaco nenhuma ária, nenhum momento específico dos atos, porque esta é uma ópera que vale como um todo — diz. — I Pagliacci tem uma escrita dramática, que toca no sentimento das pessoas, e o compositor consegue extrair da orquestra uma sonoridade muito especial, com o tempo rítmico da música marcando os momentos de relaxamento e de tensão do espetáculo. Tenho certeza de que o público se sentirá muito tocado.
A confiança é compartilhada pelo diretor cênico Flávio Leite. Para ele, a montagem I Pagliacci assinada pela Ospa, pela CORS e pelo Grupo Tholl tem tudo para se tornar histórica.
— A música é uma maravilha, a história é emocionante e os nossos dois elencos de cantores são elencos de sonho, com uma qualidade vocal que é difícil de se reunir em uma única montagem. Não bastasse tudo isso, ainda temos a presença do Grupo Tholl, da Ospa e da CORS, três grandes instituições artísticas do nosso Estado — projeta Leite. — Não há dúvidas de que será um espetáculo inesquecível, tanto para o público quanto para os artistas. Eu fico emocionado só de falar — confidencia.
"I Pagliacci"
- Sábado (17) e terça (20), às 20h, e domingo (18), às 18h, no Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/nº), em Porto Alegre
- Até o fechamento da matéria, os ingressos para as récitas de sábado e terça-feira estavam esgotados. Para domingo, restavam apenas ingressos na galeria, disponíveis na plataforma Sympla a partir de R$ 50