Já ocorreu com as carnes, com os azeites e até com o sal. Agora, chegou a vez do doce ancestral produzido pelas abelhas. Há um movimento em curso, capitaneado por empresários, pesquisadores e apicultores, para mudar o status do mel - de produto pouco valorizado, tido como “comum”, para um ingrediente especial, único e de alta qualidade.
É o mel de terroir: 100% natural, cru, ligado a um território específico e com análise de pólen, o que permite a identificação das flores de origem e das espécies predominantes (com destaque para o mel monofloral).
A nova onda, que também ressalta as características ecológicas da produção (abelhas são essenciais para a vida na terra), já chama a atenção no centro do país, vem conquistando a alta gastronomia e o consumidor de alto poder aquisitivo e está ganhando cada vez mais força na Região Sul. Isso inclui, por exemplo, o mel branco dos Campos de Cima da Serra e uma gama de outras variedades.
Em diferentes regiões do Estado, novas marcas apostam em design de produto, tecnologia e em um forte trabalho educativo, para explicar os diferenciais da produção e transpor resistências - como a relutância de alguns consumidores a méis cristalizados (na verdade, um indicativo de pureza).
— Nos demos conta de que temos um produto incrível aqui, que não recebe a devida atenção. Queremos mudar isso e elevar o mel, as abelhas e os apicultores a um outro patamar — diz o empresário Volmir Carboni, dono da marca Afável, do Vale do Taquari, e um dos nomes por trás do movimento.
Consumo aliado a consciência ambiental
Doutor em Recursos Naturais e Gestão Sustentável com ênfase em Agroecologia, Luis Fernando Wolff, engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa Clima Temperado, em Pelotas, vê com alegria o novo momento da apicultura brasileira - e sulina, em especial.
Wolff conta que o mercado internacional já se deu conta da qualidade do produto feito aqui há pelo menos duas décadas - nosso mel é considerado mais puro e livre de aditivos químicos pelos compradores estrangeiros, em parte, por caraterísticas biológicas das nossas abelhas (fruto de uma mistura entre as abelhas europeias e as africanas). Faltava a valorização interna, não só do mel tradicional, mas também do produto elaborado pelos insetos nativos sem ferrão (são cerca de 400 espécies do tipo).
— Toda essa biodiversidade vem revelando um mundo de novos sabores, e existe um coletivo de empreendedores que se deu conta disso e que começa a levar ao consumidor esse “algo mais”: a origem floral, a boa apresentação, a qualidade impecável, tudo isso atrelado a uma maior conscientização ambiental — diz Wolff.
Há uma tendência à “não massificação” da produção, o que torna o produto final mais caro em comparação ao convencional e destinado a um nicho específico de consumo (em lojas gourmet, farmácias, bistrôs, restaurantes autorais, e-commerce, etc.). O pesquisador avalia, contudo, que há mercado para isso, assim como há espaço para as carnes nobres com cortes especiais e para os azeites de oliva com blends premiados.
Quem consome o mel de terroir, sabe que, indiretamente, contribui para o cuidado com as abelhas, fundamentais para a perpetuação da vida no planeta.
— Você come no passado, porque existe toda uma memória afetiva no mel e porque você sabe o que está comendo e o que está levando para casa. Mas ao mesmo tempo há também um olhar para o futuro, porque estamos falando de preservação ambiental. Isso faz toda a diferença — diz o empresário Volmir Carboni.