Que bom seria se o plano anunciado pelo governo federal para reduzir o preço de veículos à venda no Brasil envolvesse, também, um outro segmento: o das bicicletas, convencionais e elétricas, mais uma vez - e sempre - esquecidas no Brasil. Apesar das boas intenções, o presidente Lula e sua equipe cometem um erro estratégico e mostram que não têm visão de futuro.
É verdade que a proposta apresentada nesta semana "despiorou" em relação à versão original, ao incluir estímulos à renovação da frota de caminhões e ônibus no pacote, o que significa motores menos poluentes em circulação e alguma atenção ao transporte coletivo, outro "patinho feio" nessa história. Também é fato que o tamanho do desconto oferecido na compra de automóveis populares será condicionado à eficiência energética do modelo escolhido - o que é positivo.
É compreensível o desejo do governo de reativar a economia (ainda que a forma escolhida relembre o início dos anos 2000) e a vontade de garantir a manutenção dos empregos no setor automotivo - que, não é de hoje, enfrenta dificuldades.
O que não tem justificativa é a aparente incompreensão diante de um movimento global sem volta, focado na energia limpa e na economia verde. Não dá mais para seguir apostando todas as fichas nos combustíveis fósseis. As bicicletas são parte da mudança e vêm se tornando cada vez mais importantes em cidades que prezam por uma mobilidade urbana segura, saudável e ecológica. Não se trata de ser "ecochato", nem de ser hipócrita a ponto de negar a importância dos carros na nossa sociedade.
Daniel Guth, diretor-executivo da Aliança Bike, a Associação Brasileira do Setor de Bicicletas, exemplifica o bem descompasso. Hoje, lembra o consultor, a alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) aplicada às bikes elétricas é de 35% no país. Sabe qual é o percentual sobre carros 2.0? 9,78%. Até itens como uísque, agrotóxicos, granadas e iates têm IPI menor - um tributo que, segundo a Constituição Federal, deveria ser regrado de acordo com a essencialidade do produto. Ou seja, quanto mais essencial, menor a alíquota do imposto. Só que não.
— É um contrassenso não discutir isso. Estamos em 2023, e os paradigmas mudaram. Estimular o uso de bicicletas é uma agenda que responde a uma série de questões, inclusive econômicas. Famílias endividadas chegam a comprometer mais de um terço da renda com transporte. Promover a mobilidade por meio da bicicleta é, também, uma forma de liberar mais recursos para o consumo — defende Guth.
O que falta é vontade política, além, é claro, de tirar os pés do século passado. Não se trata de virar as costas para o setor automotivo, que também evolui e é parte da solução, mas de ampliar horizontes. E isso vale para todos nós.
Você sabia?
Apesar dos pesares, segundo levantamento da Aliança Bike, o mercado das bicicletas elétricas bateu recorde em 2022, com 44,8 mil unidades produzidas e importadas no Brasil, mesmo com cenário de queda nas vendas de bicicletas tradicionais. O número representou um aumento de 9,64% em relação a 2021 – que era o mais alto registrado até então. Em termos financeiros, o resultado significou uma movimentação de R$ 304,9 milhões na economia, 5,4% a mais do que em 2021.