Quando se diz que está faltando zagueiro no governo Lula não se está falando de alguma pelada disputada pelos ministros na Granja do Torto. É zagueiro para evitar que o governo cometa erros evitáveis por falta de alerta. O mais recente é o detalhamento do desconto de R$ 2 mil a R$ 8 mil na compra de carros supostamente populares. O erro não é nem o desconto em si, mas a justificativa de que vai se antecipar a volta de impostos federais que encarecem o preço do diesel para compensar a perda de receita com o benefício para os compradores de carros.
Para começo de conversa, não dá para chamar de popular um carro de R$ 120 mil. Nem de R$ 70 mil, nem de R$ 80 mil. Comparado à média salarial do Brasil e ao salário mínimo, não existe carro popular no país. Logo, quem irá se beneficiar da medida, além das locadoras de automóveis? As montadoras, naturalmente, que vêm pressionando o governo para que adote medidas capazes de estimular as vendas.
Entre as pessoas comuns, a redução do imposto beneficia um pequeno grupo de cidadãos de classe média, que têm alguma poupança ou estão dispostos a se endividar pagando juros exorbitantes para comprar um carro.
Há dois problemas nesse projeto, que deve durar quatro meses, tempo para que a taxa Selic comece a cair. O primeiro é de concepção.
No momento em que o mundo desestimula o uso de carros movidos a combustíveis fósseis, para reduzir as emissões de gases, o governo brasileiro cria um programa de estímulo ao transporte individual. Seria o momento de focar no transporte coletivo e adotar medidas que ajudem a melhorar a qualidade do serviço, seja urbano ou intermunicipal. Hoje, na maioria das cidades brasileiras o transporte coletivo é caro e de má qualidade. Perde passageiros para os aplicativos e realimenta o círculo vicioso: transporte de má qualidade afugenta passageiros, encarece a tarifa e reduz ainda mais a procura.
O segundo problema é envolver o diesel nessa conta. Significa comprar briga com os caminhoneiros, que andam quietos, mas não estão satisfeitos. Não sabem os conselheiros de Lula dos riscos que corre um governo quando cutuca os caminhoneiros em um país dependente do transporte rodoviário?
No mundo imaginário de Lula — e, neste caso, do vice-presidente Geraldo Alckmin — uma medida paliativa como o desconto nos carros mais baratos vai reativar a economia, elevar o PIB da indústria e dar alegria para o público, que precisa mais de moradia do que de carro, até porque não ganha o suficiente para pagar impostos, taxas, seguro e gasolina.
ALIÁS
O programa do governo prevê subsídios para a renovação da frota de ônibus e caminhões com mais de 20 anos, que poluem mais e têm custo elevado de manutenção. Essa medida beneficia um grupo restrito de proprietários, mas o eventual aumento do diesel impacta na vida de todos.