Quando você pensa que Carlos Badia está parado, como agora na pandemia, ele aparece com uma novidade. Acaba de lançar Voo, terceiro álbum individual da carreira iniciada no final dos anos 1980 e bem diferente dos anteriores. Pra começar, pela primeira vez ele toca guitarra em uma gravação — e que guitarra! Estávamos acostumados a vê-lo ao violão, tanto em seus discos como nos do grupo Delicatessen.
Conheço Badia desde o início, quando ele chegou a Porto Alegre vindo de Pelotas, ainda com o jeito do adolescente. Depois apareceu apenas esporadicamente nos palcos, mais voltado para a criação de trilhas para publicidade, cinema e teatro. Quando saiu da toca, em 2006, veio como líder do Delicatessen, uma das mais interessantes formações do jazz made in Brasil, pautada pela bossa nova, que com ele fez três CDs.
Deixou o grupo, em 2012, para apostar na carreira solo, lançando discos em 2015 e 2018. O estilo estava definido, valorizando a música instrumental. Pouco antes, dera vazão ao talento de produtor, criando o POA Jazz Festival. Em todos os lados, o que temos é qualidade e bom-gosto. Voo é um grande trabalho, música para ser degustada com atenção e prazer estético por ouvidos exigentes de qualquer lugar do mundo.
Aqui, Badia deixa de lado os "ritmos brasileiros mais óbvios", como diz, voltando-se para ritmos do RS, ou sulinos, como milonga e chamamé, também algum tempero caribenho, tudo sempre com o idioma jazzístico. Para abrir as audições, sugiro Pampa Road e Milonga de Las Fronteras. E há a surpresa de um jazz-rap, Rito de Passagem, com a voz de Ricky Rafuagi. O álbum foi gravado online no estúdio de cada músico.
Ao lado de Badia (guitarras, violões, programações), o ótimo grupo básico tem Ricardo Arenhaldt (bateria), Rodolfo Stroeter (baixo) e Fábio Torres (pianos). Entre os convidados, Gabriel Grossi (harmônica) e Daniel d’Alcântara (trompete, flugelhorn).
VOO, de Carlos Badia
- Produzido com as leis de incentivo à cultura. Disponível nas plataformas digitais
Karam: um violino nas raízes brasileiras
O violino como instrumento dominante em uma formação de música popular é raridade. Só esse fato já particulariza o trabalho de Felipe Karam, que está lançando seu segundo disco, Água de Santo — o primeiro é de 2018. Porto-alegrense, formado em Violino pela UFRGS e mestre em Music Performance pela City, University of London, Karam está em ação desde 2004, atuando com seu violino de cinco cordas na Inglaterra, nos Estados Unidos e no Brasil. Ele conta que Água de Santo foi feito sob a inspiração de duas pessoas fundamentais: sua companheira Juliette e seu primeiro filho, William, presentes em cinco das 12 faixas.
A linguagem jazzística perpassa todo o álbum, seja no samba-choro De Volta pra Figueira, no chamamé Meu Pequeno, no baião Fulô da Serra, no arrasta-pé Junino ou no ijexá Juli Sá, todas dele, algumas com parceiros. "Quero colocar o violino no universo da música popular improvisada", sublinha. "Diversidade e ecletismo, com os pés nas raízes brasileiras mas com ares modernos." E ele faz isso, sem dúvida. Além de tocar muito, é um belo melodista. O álbum tem produção e guitarra de Antonio Flores, Max Garcia no violão, Miguel Tejera nos baixos e Dani Vargas na bateria, todos bambas.
ÁGUA DE SANTO, de Felipe Karam
- Independente, CD R$ 26 em felipekaram.com/cdaguadesanto. Disponível nas plataformas digitais