Navegar Nesse Mistério, primeiro disco de Nino, é um espanto desde a faixa de abertura, Entre o Céu e o Inferno, rock com guitarras pegadoras, letra sintética e certeira: “Era um anjo cantando feito demônio/ Num calor cheio de hormônio como nunca vi”. Sempre nessa base, embora tenha muita variação rítmica, a coisa não perde o pique nunca.
É o álbum gaúcho mais impactante que ouvi desde Derivacivilização (2015), de Ian Ramil — mas enquanto este era sombrio e cético, quase depressivo, Navegar Nesse Mistério, sem deixar de ser porrada e crítico, não é escuro. As melodias e arranjos ajudam a abrir letras como esta: “A face da injustiça/ Prefere olhar um papel/ Dizendo uma pá de mentiras/ Forjadas em um quartel”.
Porto-alegrense de 34 anos, Nino é a persona musical do jornalista Felipe Prestes. Filho de mãe sergipana, durantes 10 anos ele integrou o Grupo Musical Lá Fora, que tocava ritmos regionais brasileiros. A carreira solo começou em 2017; nesse tempo, já tocou em várias cidades gaúchas e em festivais como o Morrostock.
Sua banda Coluna Prestes tem ele nos violões, Rica Sabadini nas guitarras, Henrique Bordini no baixo, Ismael Silva na percussão e Ricardo Rochedo na bateria – todos tocam muito, e o disco ainda tem convidados como Márcio Petracco, Felipe Rotta e o tecladista e também produtor Protásio Júnior, que já trabalhou com Humberto Gessinger e Duca Leindecker.
Sobre a base de guitarras distorcidas, violões afiados, baixo cantante percussão volumosa e, aqui e ali, instrumentos como bandolim, banjo, cítara, órgão Hammond e até cuíca, Nino solta sua voz “pequena”, quase sem contrastes, apoiada por eficientes backing vocals. Amiga Inconsequência é um folk redondo; Ciranda das Gerações (“A gente corre sem saber pra onde nem por que”), uma ciranda nordestina; Borboleta Azul tem ares de baião; Terra do Nunca é um samba que vira rock, estilo Novos Baianos; Bater na Porta, uma bossa nova bem elétrica; e Só Uma Noite de Inverno, que fecha o disco, um rockabilly. Uma faixa melhor que a outra, pode acreditar. O encarte imita uma capa de jornal.
Érico Moura reafirma competência
Nino será um dos convidados do show que Érico Moura programou para 16 de janeiro no Gravador Pub, o que indica uma identidade musical. A música é (era?) um hobby na vida do psiquiatra porto-alegrense. Mal lançou o segundo disco (o primeiro é de 2007), Érico já está preparando o terceiro para 2020. O título deste segundo, Amaré, sinaliza o conteúdo temático das canções: o vai e vem das marés simbolizando os altos e baixos das relações amorosas. Para ajudá-lo a cantar isso, Érico mobilizou dois bambas do pop gaúcho: Diego Lopes (Acústicos & Valvulados) e Guilherme Dable (Tom Bloch) e músicos destacados da geração 2000, como o guitarrista Lorenzo Flach.
O resultado justifica o investimento. Se o Brasil fosse um país de primeiro mundo, Érico estaria apto a viver de música, deixando a psiquiatria para os momentos de folga. O disco é muito bom, inteligente, MPB moderna com tempero pop e uma característica básica meio minimalista. As letras às vezes funcionam como pinceladas na estrutura musical (Vou te Levar Comigo), outras vezes se impõem como crônicas, (Tantas Coisas, que cita Caetano, Gil, Dylan, Malala, Gisele, Anitta, Beyoncé, Picasso...). A pós-moderna Um Gole de Azar tem espumas de milonga. Voz limpa, segura, Érico sabe o que compõe e canta. Não é um acaso. Muito menos um estranho no ninho.
Antena
BICHO SOLTO, do Sexteto Gaúcho
Para muitos, a apresentação do Sexteto Gaúcho foi uma das belas surpresas do último PoaJazz Festival. Mas o grupo existe desde 2012 e é a formação mais representativa da vitalidade e qualidade da nova cena porto-alegrense do choro. Com Mathias Pinto (violão 7 cordas), Elias Barboza (bandolim), Alexandre Susin (cavaquinho), Lucian Krolow (flauta), Guilherme Sanches (pandeiro) e Matheus Kleber (acordeom, piano), faz choro com sotaque local, mesclando, nos shows, clássicos e composições próprias.
Quando este primeiro disco foi gravado, o acordeonista ainda era Samuca do Acordeon, que assina dois temas, Espinho de Traíra e Urtiga no Dedo. Entre os outros, passando por polca, valsa e até um frevo, Eu Te Avisei (Mathias/Susin), Enriquecendo a Casa (Krolow) e Baile do Sexteto (Elias). Finas iguarias. Independente, R$ 30 no Facebook do Sexteto.
ROMÃ, de Jaime Santos & Os Santos de Casa
Cantor, compositor e violonista que faz música desde a adolescência, Jaime Santos nasceu em Porto Alegre, passou boa parte da vida em Canoas e desde 1995 vive em Jataizinho, cidade paranaense vizinha de Londrina. Este primeiro disco traz na contracapa elogios de Guinga, Ricardo Cravo Albin, Zé Caradípia e Luiz Claudio Ramos (maestro de Chico Buarque). Não é pouca coisa.
Cercado de muito bons instrumentistas londrinenses, destacando o violonista e violeiro Israel Laurindo, Jaime tem bela voz grave e faz uma música aberta, pra cima, que às vezes revela influências de Gilberto Gil. Tem baião, samba e outros ritmos com tempero regional brasileiro. Dele e parceiros, as boas letras são observações do mundo ao redor. Independente, R$ 24 em jaimesantos.com.br/loja-moca.
INTERCÂMBIO, de Claudio Nilson
Em 2011, comentei o primeiro CD de Claudio Nilson. Leopoldense, ele já era um reconhecido nome do cenário musical do Vale do Sinos. Começou a carreira nos anos 1980, quando integrou grupos como Tocaia e Unamérica. Este segundo álbum mescla pop, rock progressivo, folk e reggae, tudo sublinhado pela marca da música new age, letras sobre o universo do amor, da fraternidade e da espiritualidade, cantadas com voz suave. A faixa de abertura, Salve a Nova Era, já antecipa o que virá, canções como Seja Leve, Me Vestir com Asas, Lá no Fundo do Ser.
Os arranjos têm Claudio no violão, José Barônio no baixo, Douglas Gutjahr na bateria e o tecladista Calil Souza, responsável pela competente massa sonora, mais instrumentos pontuais como violino e flauta. Independente R$ 20 mais frete, pedidos para cr.nilson@hotmail.com.