"Seja você mesmo. Todos os outros já existem." (Oscar Wilde)
Há uma mistura de inocência e boa-fé para justificar a tendência de se atribuir às grandes tragédias a capacidade de modificar a índole dos envolvidos.
Na verdade, as catástrofes não conseguem mais do que colocar na vitrine nossos defeitos e nossas virtudes. E, por alguma razão, ficamos mais chocados com os nossos defeitos do que encantados com as nossas virtudes.
Os cruéis e os generosos não se fizeram assim por influências externas circunstanciais. Eles já estavam prontos desde sempre, à espera de um acontecimento extremo que os desnudassem. E então, com igual naturalidade, os apresentasse ao mundo para espanto dos ingênuos e compensação silenciosa dos que já não se surpreendem mais porque viveram o suficiente para antecipar reações em condições adversas.
O grande mérito da internet é garantir pernas curtas à mentira.
Quanto mais inesperado for um evento, mais eficiente será como gatilho revelador do caráter de cada um, porque retira a possibilidade de que o mau pareça bom, o que exigiria um tempo para ensaiar uma postura que seja minimamente convincente de uma virtude que não existe.
Mas mesmo com atitudes planejadas os falsos virtuosos correm o permanente risco de desmascaramento, porque sempre haverá alguém para desarquivar uma fala ou um vídeo, sempre haverá delatores.
Muito se tem criticado as redes sociais, que, fomentadas pelos mais variados modelos de sociopatia, se transformaram numa espécie de divã coletivo de uma sociedade que se esmera em renunciar aos valores básicos do convívio civilizado. Mas isso não obscurece o grande mérito da internet: garantir pernas curtas à mentira.
O arquivo virtual de tudo que dissemos, pensamos ou fingimos devia, pelo menos teoricamente, tornar o nosso mundinho num lugar mais confiável, mas essa expectativa otimista subestima a cara dura dos cínicos, que sempre podem argumentar que aquilo dito foi retirado de um outro contexto. Esses argumentos mais chateiam do que convencem, por subestimarem a inteligência mediana das pessoas.
No meio de uma catástrofe como a que estamos vivendo, creio que nada é mais eficiente na identificação do caráter do que a emoção, um sentimento tão exigente de autenticidade, que até na arte da interpretação rapidamente se define os que nunca serão mais do que comediantes medíocres.
Parece também ingênua a pretensão de amestrá-los, com a tola intenção de ostentar solidariedade com o pesadelo coletivo, se no meio do discurso vazio os tipos não conseguem resistir à tentação de fazer uma graça, ignorando que não há nada mais inesquecível do que a desconsideração no sofrimento.
Por mais que tenha virado moda valorizar o que se convencionou chamar de "construção de uma narrativa", essa tentativa é inútil porque, implacavelmente, o que cada um tem dentro de si sempre extravasa. Recomenda-se aos utopistas, ou seja, os que creem que vale a pena tentar recuperar um radical, que busquem entre os amigos aqueles com algum resíduo de senso crítico e capaz de repetir-lhes à exaustão: "Poupem-nos desse discurso vazio e simplesmente sejam. Cansa menos".
Infelizmente, essa observação só vai alcançar quem não precisa dela. Porque os cínicos e demagogos persistirão na busca de exposição máxima, porque creem que esse é o instrumento mais eficiente na perpetuação do poder, e para isso contam com os que têm dificuldade de identificá-los.
Constrange a obsessão do populista, incansável na perseguição a qualquer evento que signifique visibilidade e sempre com um fotógrafo enfarruscado a tiracolo. O mau humor daquele profissional é compreensível. Sentindo-se triste como qualquer pessoa normal, ele não suporta mais a companhia sorridente de um oportunista.
Sem contar a penitência de ouvir o mesmo discurso, indefinidamente.