“Sinto uma tristeza infinita das ruas de Porto Alegre por onde jamais passarei.” (Mario Quintana, em O Mapa)
Cinco de maio, um domingo triste, que amanheceu chuvoso, como se ainda houvesse mais o que chover.
E por uma dolorosa coincidência, estamos completando 30 anos sem a companhia de Mario Quintana, o que dói porque ele poderia ao menos compartilhar conosco a tristeza pelas ruas que teremos que continuar passando e que agora nunca mais serão as mesmas.
Enquanto escrevia, apareceu o sol, meio tímido, provavelmente constrangido pelo tempo em que se escondeu, deixando-nos cobertos de nuvens, carregadas de tragédia.
Os desesperados nunca permitem que a esperança morra, porque a morte da esperança é a soma de todas as mortes.
São tantos dias e noites de entrega à mais desesperada de todas as lutas: a da sobrevivência, que agora põe os remanescentes a caminhar com ar de zumbi, sem saber para onde ir. É triste vê-los esmagados pela dor da perda e consumidos pela fadiga do sofrimento. Assumem esse estado de letargia gerado por desespero sem trégua e olham os escombros sem nenhuma certeza de que conseguirão recomeçar.
Fora das guerras convencionais que sempre expõem o lado monstruoso da humanidade, parece incrível que estas tragédias coletivas regionais consigam reproduzir este sentimento universal de desalento, que mistura revolta, perplexidade, desespero e luto e, por fim, extingue a capacidade de protestar, última trincheira diante do caos.
É irracional acreditar que se pode reanimar pessoas que ainda não tiveram tempo nem oportunidade de ressurreição da catástrofe do ano passado, e quando encontraram forças que ignoravam ter, e cheios de tola esperança, acreditaram que agora as coisas iriam melhorar, para então descobrir, do nada, que aquela tragédia podia voltar, e ainda pior.
Afora as enormes dificuldades de recuperação das perdas materiais, ainda teremos que conviver com a aniquilação anímica, especialmente da população mais pobre, vítima natural de todas as desgraças que imponham a necessidade de reconstrução.
Um dos ocorridos mais impactantes, com direito a lágrimas do relator, foi de um barqueiro que tomou para a si o resgate de três meninas e, ao arrancar, uma delas lhe pediu: “Tio, apanhe aquela boneca ali pra mim!”. Ao se aproximar, ele percebeu que a “boneca” era um bebê afogado.
Como nunca nos acostumamos com a dor da perda, qualquer perda, ficou doendo em mim a imagem do garoto chorando abraçado no seu cãozinho morto trazido pela correnteza cruel. Ou do criador de cavalos que viu seu haras invadido pelas águas e, para sobreviver, refugiou-se no sótão, de onde assistiu a seu plantel de dezenas de éguas morrerem afogadas.
Nessa situação, uma experiência devastadora que sempre se repete é a busca por desaparecidos, alimentada pela esperança, que se torna irracional depois de um tempo, mas que os desesperados nunca permitem que ela morra, porque a morte da esperança é a soma de todas as mortes.
Pensei nisso quando descobri, encantado, uma página do Instagram aberta pelo pessoal da Ulbra, para mostrar fotos de crianças resgatadas vivas, à espera de que os pais, que nunca desistem de acreditar em milagre, viessem buscá-las.
Por fim, depois de um dia deprimente, chegou como um raio de alento a atitude de Diego Costa, que convocou amigos com jet-ski para resgatar sobreviventes e se envolveu diretamente no salvamento de dezenas de pessoas. Um “estrangeiro” importado pelo Grêmio mostrou que fazer gols não é sua única habilidade. Obrigado, Diego, pelo exemplo, Estávamos precisando disso.