Já se passaram 30 anos. Foi em 5 de maio de 1994 que Porto Alegre ficou sem o seu poeta. A obra de Mario Quintana, no entanto, permanece voando a partir de seus livros. E sua história continua sendo relembrada por amigos que conviveram com ele em seus 87 anos.
Um deles é Sergio Faraco. Esse escritor, hoje com 83 anos, lapida, esculpe as palavras ao relembrar passagens das quase três décadas de amizade com Quintana.
– Arrisco-me a sugerir que o trem da vida de Quintana cruzou por três distintas estações: a da boêmia, em que frequentava as baiucas da cidade e bebia compulsivamente, a da recuperação numa clínica, fase dolorosa que o tornou um tanto intolerante, hostil, que parecia sempre estar na defensiva, e a da paz consigo mesmo, que o tornou acessível, sociável, gentil – resume Faraco.
Para ele, a terceira estação, ou etapa da vida do poeta, foi possível devido a fatores pessoais e profissionais. O apoio emocional e amoroso de Elena, sobrinha do poeta, diz Faraco, foi fundamental para essa calmaria no coração de Quintana. E também a publicação de Antologia Poética, em 1966, que levou seus poemas a alcançar leitores além do Pampa.
– Até então, ele era um poeta de prestígio provincial. Acredito que o reconhecimento da crítica brasileira e o trânsito nacional de sua poesia o ajudaram a sentir-se justificado como poeta, o que equivalia a justificar sua vida.
Faraco tece lembranças acerca do poeta que, 30 anos depois, faz com que a poesia deste alegretense (Quintana nasceu no Alegrete em 1906 e mudou-se para Porto Alegre 10 anos depois) permaneça pujante:
– Quintana comove o leitor com seu intimismo, sua ternura, suas nostalgias e, afinal, seu humor ligeiramente irônico e em certos momentos até sarcástico. De anjo é que não tinha nada – analisa o escritor, fazendo referência ao poema Anjo Malaquias, que fala de um garoto salvo de um monstro por Nossa Senhora.
Já Armindo Trevisan, 91 anos, chama Quintana de mestre. E lembra bem da catarse provocada pelo poema Recordo Ainda, que descobriu aos 14 anos de idade e cuja leitura provocou, segundo ele, uma iluminação:
– O soneto agiu em mim como se uma faísca caísse sobre gravetos borrifados de gasolina. Passei a admirar Quintana como o maior poeta do Brasil.
Ao abrir a gaveta de memórias, Trevisan relembra um episódio, classificado por ele como cômico, quando foi visitar Quintana, que, àquela altura da vida, vivia com sua sobrinha Elena e era acompanhado por cuidadoras.
– Elena informou a ele que uma senhora estava ao telefone, querendo conversar com ele. Mario, ao ouvir a notícia, suspirou e disse: “Ela é uma chata... Diz-lhe que estou fazendo vaporização... E acrescentou: “Às vezes, os amigos são chatos”. Nesse momento, Mara, uma de suas cuidadoras, disse ao poeta: “Seu Mario, dizendo isso o senhor ofende seu amigo Trevisan, que veio lhe ver”. Quintana, como que estremunhando, falou: “Não, o Trevisan não tem nada a ver com isso”. Depois de um breve silêncio, acrescentou: “Acontece que nossos amigos são nossos chatos prediletos”.
Trevisan, que é professor, crítico de arte e também poeta, faz um jogo de palavras para sintetizar a convivência com Quintana:
– Não sei se foi um grande amigo, mas um amigo leal e afetuoso, isso posso te garantir que foi.
Para Trevisan, Quintana tem obras-primas como A Oferenda e Mapa, considerado pelo discípulo incomparável e inimitável. A obra fala das ruas de Porto Alegre, das andanças que Quintana fez e das que, pela passagem do tempo, que vence a todos, não chegará a passar.
Luiz Coronel, 85 anos, também esteve ao lado de Quintana em vários momentos. Ele guarda com carinho uma carta do poeta sobre o livro Os Cavalos do Tempo, que Coronel lançou em 1987. Na carta, Quintana diz que ficou “enamorado” de alguns poemas.
– Com Quintana aprendi que o humor é alívio e lucidez e que a memória é um caleidoscópio de encanto e desalento. Ele ensina que a poesia é ofício da solidão. – afirma Coronel.
Como Quintana dizia, e o autor de Os Cavalos do Tempo rememora, a “única falta que terá será a deste tempo que, infelizmente, nunca mais voltará”.