“Se quiser pôr à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder.” (Abraham Lincoln)
O diretor-geral de um hospital universitário se aproxima da cancela e, depois de uma apalpadela agoniada, percebe que deixara o crachá noutro avental. Começa, então, a explicar ao funcionário novo o que ocorrera:
— Eu sou o doutor Fulano, diretor deste hospital, e esqueci meu crachá. O senhor pode abrir, por favor?
E então a resposta orgulhosa do funcionário encantado com o poder que o cargo lhe conferia:
— Por este portão, sem o crachá, nem o Papa!
O pragmatismo da resposta eliminava qualquer possibilidade de continuar o diálogo e só restou ao nosso diretor ligar para sua secretária avisando que atrasaria uns 40 minutos, tempo de ir ao consultório e voltar equipado com a credencial. Contou-me depois que estava determinado a escrever uma crônica sobre o assunto. Lembro que gostei do título proposto (“O grande poder das pequenas pessoas”), mas, de fato, não sei se chegou a escrevê-la.
A concessão de poder não pode ser aleatória. Na verdade, alguns nunca poderiam ser mais do que subalternos, sem se tornarem insuportavelmente prepotentes.
Esta história pode ser vista por vários ângulos, a começar pela fidelização ao cumprimento das normas impostas à função de porteiro, mas ela encerra mais do que isso: o centro da questão é o orgulho com a intransigência anunciada.
A referência ao Santo Padre foi só um requinte para ilustrar o quanto estava fascinado com o poder, que lhe permitia eliminar as exceções, quanto mais não fosse, para que soubessem com quem estavam lidando.
Transfira-se essa condição para os degraus mais altos do poder real e percebe-se que a capacidade de subversão da atitude civilizada é, na essência, exatamente a mesma. Claro que com consequências mais danosas, porque mais poder significa hipertrofia da capacidade de fazer o mal. E na trilha da psicopatia, um pouco adiante, encontraremos aqueles capazes de exultar com o tamanho do estrago na vida dos atingidos.
Por isso a concessão de poder não pode ser aleatória: nem todas as pessoas preservam a dignidade ao se sentirem comandantes. Na verdade, alguns nunca poderiam ser mais do que subalternos, sem se tornarem insuportavelmente prepotentes.
Nas grandes empresas, na universidade, na fábrica, no sindicato, no hospital ou na vida, identificam-se espontaneamente os líderes verdadeiros, aqueles que mandam sem se sentirem chefões, porque têm a exata noção do poder que lhes assegura a tarefa oferecida por merecimento.
Em contrapartida, são insuportáveis os que foram guindados à chefia por parentesco, influência política, laços matrimoniais ou amizade antiga com tipos que antigamente tiveram poder. Provavelmente o cargo novo libera o ego reprimido, que, ao se sentir poderoso, solta as amarras do ressentimento arquivado por décadas. Curiosamente, essas pessoas sempre terminam mal porque, ao se colocarem acima da realidade, cometem erros primários e, no fim do mandato, se sentem como vítimas frágeis e assustadas, como são, na ressaca, todos os herdeiros bastardos da prepotência irracional.
Muitas vezes, essas pessoas terminam tão pobres, que a única coisa que lhes resta é o dinheiro, que, como se sabe, pode impressionar aos tolos, mas não ameniza a insignificância do insignificante.